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José Mauro Kazi

Quando, nos idos de pouco tempo atrás — um período que terminou com o surgimento do Netscape —, o termo “beta” ainda se referia apenas ao estado de um software que não estava pronto para “entrar em produção”, ou seja, “ir pro ar” ou ainda, ser vendido ao público, a imprensa percebeu que os lançamentos “em beta” estavam proliferando e demorando mais tempo para serem substituídos pelo release “estável”. Então já era tarde demais.

O software em beta, originalmente, estava nos últimos estágios de debugging (correção de erros de programação), quase pronto, com todos os bugs mais críticos re-solvidos. Mas não todos. Nesse estágio, algumas cópias eram enviadas para colaboradores, chamados de beta-testers, que usavam o software para valer, reportando os problemas que iam encontrando. O sonho de vários dos meus amigos era ser beta-tester de games.

Em algum momento, certas empresas começaram a colocar seus produtos em beta stage disponíveis para o público em geral, pedindo, em troca, que os usuários reportassem os bugs. Há quem diga que isso aconteceu para não ser preciso pagar pelo trabalho dos beta-testers (uma vez que não se cobrava pelo release). Há quem diga que aconteceu na esteira do modelo de desenvolvimento do Linux (“Release early, release often”, disse Eric Raymond, e completou: “and listen to your customers.” Em tradução livre: “Lance rapidamente, lance freqüentemente; e ouça seus usuários.”). Essa semi-filosofia, aplicada no contexto de desenvolvimento colaborativo, funcionava bem e, com a crescente inclusão digital e possibilidade de participação propiciada por um ambiente desenvolvido para ser aberto, empresas como a Netscape adotaram parcialmente a idéia.

A evolução do software ou serviço em beta tomou proporções digamos, populares, quando o Google colocou “beta” ao lado de seus produtos mais populares.

Hoje, para muitos, o “beta” está ali, em vários serviços e softwares, para dizer outra coisa: que o serviço está em constante desenvolvimento e em constante melhoria, seguindo a frase de Eric Steven Raymond (e a filosofia open source), ouvindo seus usuários para manter o serviço sempre renovado e “inovado”, para incluir a comunidade no desenvolvimento, devolvendo o favor com a utilização gratuita do que esta ajudou a construir. Para outros, é apenas uma jogada de marketing para que as empresas não precisem dar suporte total para seus serviços e contem com uma legião de beta-testers [e trend watchers] trabalhando gratuitamente enquanto ganham dinheiro indiretamente, cada um no seu modelo, inclusive o BP dos Gnomos.

Se me perguntam, essa história toda de Beta não é bobagem apenas porque leva ao público mais amplo, elegantemente, algumas das melhores contribuições que o povo do software livre trouxe ao mundo. Em definições por aí, o Beta é fruto da web 2.0 — o que quer que eles queiram dizer com “web 2.0”. Ou, mais provável, a web 2.0 é fruto da filosofia beta. Filosofia de cozinha por filosofia de cozinha, a vida não esteve sempre em beta?

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