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Marcelo Coutinho

É o cachorro que abana a cauda ou a cauda que abana o cachorro? A piada antiga serve para ilustrar um fenômeno moderno: as transformações no mercado de alguns bens e serviços, possibilitadas pelo avanço da tecnologia digital a partir dos anos 90.

O conceito foi enunciado pela primeira vez um artigo da revista Wired, em 2004, e depois transformado em livro por Chris Anderson, ex-editor chefe da revista. A idéia básica de Anderson é a de que os mercados de massa, uma manifestação da economia industrial que começou a se consolidar a partir da metade do século XIX, dependem da produção de modelos que serão reproduzidos em larga escala para gerar lucro.

Durante os últimos 150 anos, esta lógica esteve por trás da maioria das organizações bem-sucedidas na história ocidental. E se espalhou para outros segmentos que não apenas a produção “de coisas”, mas também o oferecimento de serviços e a cultura (um fenômeno que deu origem ao termo “indústria cultural”, para identificar as manifestações culturais produzidas a partir da lógica do mercado de massa).

O formato dos mercados era restrito por uma tecnologia na qual os custos fixos para produzir o primeiro modelo eram muito elevados, e um sistema de distribuição igualmente dispendioso e complexo, que exigia a existência de uma série de intermediários, cada um buscando uma pequena parcela de lucro, para funcionar. Dessa forma, somente produtos (ou serviços, ou manifestações culturais) que tivessem uma grande procura poderiam gerar receita suficiente para cobrir os elevados custos de capital necessários para sua produção.

O mercado de massa se assemelhava a um cachorro: no seu topo, (a cabeça), alguns poucos produtos, capazes de vender bilhões. A medida que as preferências de um consumidor se afastavam desta “cabeça”, ele tinha que fazer grandes sacrifícios em termos de tempo, deslocamento e dinheiro, para obter bens e serviços voltados para os “nichos” (até o final do corpo do cachorro: sua cauda). Isso fazia com que a maior parte das empresas se organizasse ao redor da produção de “hits”: bens e serviços que pudessem cair rapidamente no gosto do consumidor médio.

Segundo Anderson, os avanços das tecnologias de digitalização reduziram drasticamente os custos de produção, distribuição e controle da cadeia de uma vasta gama de bens e serviços. Os segmentos mais expostos a este fenômeno são os ligados a produção de bens culturais, como a música, o entretenimento e as empresas informativas, mas a medida que estas tecnologias se sofisticam e popularizam tendem a afetar outras Cauda longa atividades ligadas ao consumo de produtos em geral (como por exemplo a comparação de preços e a busca de fornecedores com disponibilidade de produtos ou melhores condições comerciais).

Essa transformação viabiliza, do ponto de vista da reprodução do capital, a existência de milhares de pequenos mercados (a “cauda”). Por exemplo, uma banda obscura, que não conseguia entrar no circuito comercial porque jamais teria um volume suficiente de fãs para justificar o retorno dos custos de gravação e distribuição de suas músicas, passa a se tornar um negócio viável a medida que os custos de gravação despencam por causa da existência de efeitos que não precisam mais ser criados em estúdios e a venda pela Internet, que não exige o armazenamento, transporte e distribuição física de CDs.

O mesmo raciocínio se aplica a uma pequena tecelagem artesanal na África: como os custos de “busca” para o consumidor se tornaram muito reduzidos (ele não precisa se deslocar fisicamente até lá para procurar uma estampa de seu gosto), o custo para a tecelagem encontrar compradores se reduz drasticamente (ela não precisa, por exemplo, abrir uma loja em um país distante), o que viabiliza a produção em pequena escala.

A teoria da cauda longa ainda não foi completamente testada, muito menos aceita, do ponto de vista da economia clássica. Principalmente nas grandes empresas, muitas cabeças ainda andam em círculos, tentando morder o próprio rabo ou, colocando de forma mais elegante, não encarando o fato de que se não canibalizarem seus produtos e serviços, um concorrente fará isto com eles, mais cedo ou mais tarde.

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