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Wagner Martins

Eleições presidenciais de 2002. Recebi por email um panfleto que suportamente estava sendo distribuído no interior de Pernanbuco. Ele trazia uma foto do então candidato a presidente Lula, uma estrela do PT e o número: 45. Bom, sabemos que o número 45 não é o da legenda do PT, mas sim do PSDB. Junto com a imagem escaneada do panfleto um parágrafo denunciando a “astúcia” do PSDB, que estariam induzindo ao erro os eleitores pouco informados do interior do nordeste.

Recebi este email repetidas vezes ao longo da semana, de diversas fontes. O vi publicado em diversos blogs e mesmo em alguns sites de notícia. Até que estranhei uma coisa: a imagem do panfleto escaneado era sempre a mesma. Não era de se esperar que, se houvesse uma distribuição massiva de panfletos em uma cidade, não circulariam pelo menos 2 cópias digitalizadas do tal panfleto?

E agora? Quem estava sendo astuto? Partidários do PSDB tentando enganar alguns eleitores no Nordeste? Ou partidários do PT arruinando a imagem do PSDB dante de boa parte dos usuários de internet?

“No plebiscito de 2005, sobre o novo estauto de desarmamento, realizei um experimento / brincadeira parecido no meu blog, o Cocadaboa. Inventei uma notícia onde um traficante do Morro do Dendê estaria apoiando o SIM. O que é um tanto quanto contraditório, já que o SIM era “pela paz”. Como poderia um traficante ser “pela paz”? Por mais que a história não fizesse o menor sentido, partidários do NÃO a abraçaram e a existência do Xaxim (traficante inventado) chegou ao conhecimento da assessoria de imprensa do NÃO. A equipe de Brasília entrevistou o personagem (na verdade um grande imitador que é meu amigo). Na entrevista, Xaxim defendia veementemente o fato da população se desarmar, pois assim ele poderia fazer seus “ganhos” mais facilmente.”

Partidários do NÃO repassaram a história para convencer seus amigos que “se desarmar dá poder aos bandidos”. A história virou um argumento. Partidários do SIM se viram acuados e, desesperadamente tentavam em vão alertar todos que a história não fazia sentido e que era tudo uma mentira de um site de humor. O movimento dos partidários do SIM só deu mais força para espalhar a entrevista e a fazer chegar em mais pessoas inclinadas a votar no NÃO, independente de ser verossímil, mesmo assim ela continha um argumento razoável para dar fundamento a sua decisão.

Nos dois caos, no do panfleto do PSDB ou no do traficante do SIM, fica claro uma nova realidade: pouco importa se a informação é verdadeira ou falsa, mas sim o quanto ela pode servir como ferramenta para fundamentar um argumento. Se a pessoa está inclinada a acreditar que o PSDB é ruim, ou que traficantes nos querem desarmados para nos subjulgar, pouco importa o absurdo sendo relatado. Seu nível de julgamento, ou “bom senso”, para o qual sempre apelamos quando queremos matar um boato, será muito baixo. Quase nulo.

A mídia tradicional já fazia isso, em um grau mais comedido, mas sim. Por mais ético e neutro que um jornalista tente ser, sua opnião tem um viés que informa o leitor e o direciona para uma interpretação dos fatos. Fatalmente números, estatísticas, imagem ou argumentos expostos em uma matéria de jornal são usados como ferramentas em conversas. Mas a garimpagem de fatos era controlada. Estava na mão de poucos.

O problema, ou beleza da coisa, é que agora qualquer pessoa pode publcar uma história, estatística, imagem ou número. Real ou fictício. E o que determina se ele vai prevalescer e se espalhar não é a sua confiabilidade de sua fonte, mas sim o quanto ele é útil ou a quantidade de corações que ele conquista.

A frase célebre de que “contra fatos não há argumentos” não funciona mais. Fatos são commodities. Qualquer um pode criar e gritá-lo para o mundo. Em uma sociedade em rede, que conversa toda hora, com todo mundo, o que mais se busca são argumentos. Este é o novo bem valioso na batalha da informação.

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