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Ana Brambilla

“Todo cidadão é um reporter.” Com esse slogan, o noticiário sul-coreano OhmyNews foi concebido em fevereiro de 2000 como um divisor de águas no jornalismo digital. A quebra do paradigma do jornalista como “detentor do lugar de fala” ofereceu ao cidadão leigo (sem conhecimentos de jornalismo) toda a engrenagem jornalística para dar aval à sua história: redação com editores em Seul para apurar informações vindas do mundo todo e o aval de uma marca de imprensa transformariam um simples relato do acidente da esquina em conteúdo jornalístico.

Quatorze anos, um YouTube, um Orkut, um Twitter e um Facebook depois, o OhmyNews abriu e fechou sua edição internacional, mantendo apenas sua versão local, em hangul. Isso traz uma lição fundamental ao jornalismo colaborativo (ou cidadão, participativo, open source, como quiser chamar): trata-se de um processo íntimo às microrrealidades. Explico: em 2010, quando o OhmyNews International (em ingles) virou um blog de reflexões sobre jornalismo colaborativo, uma das razões apresentadas pelo criador do noticiário, o jornalista Oh Yeon Ho, foi a “falta de clareza sobre a audiência”. É bárbaro abrir espaço para o público falar; mas quem realmente está interessado em ouvir? Por outro lado: o que cidadão reporter produz é relevante para quem?

Por vários anos a baixa adesão e a fraca audiência desses canais levou gestores de redação a entender que o modelo não se sustentava. Enquanto isso, mídias sociais se fortalecem como espaços onde a marca própria do indivíduo o projeta pelo conteúdo que produz. Em pouco tempo, o usuário notou que já não era mais necessário enviar seu vídeo a um site jornalístico para fazê-lo “bombar”. Enquanto o fluxo de inverte – agora não é mais o cidadão reporter que bate na porta do jornal pedindo para publicar seu relato, mas o jornalista que mergulha nas mídias sociais em busca de conteúdo relevante para transformar em notícia –, outra discussão se abre: diante de tanto conteúdo produzido por minha rede de confiança, amigos, e que dizem respeito tão diretamente à minha realidade, o noticiário convencional é relevante para quem?

Assim surge a necessidade de se repensar os critérios de noticiabilidade e os fluxos de produção editorial nas redações. O microjornalismo que se constrói a partir de testemunhos sobre aquilo que efetivamente interfere no meu cotidiano – porque são experiências de meus pares sociais – compete, sim, e chega a superar, em alguns casos, a agenda do jornalismo tradicional, seja ele de rádio, TV, internet, gráfico… Afinal, por que raios o celular clonado da Angela Merkel me interessaria mais do que a aprovação de uma lei que proíbe rodeios em Pernambuco, se mesmo morando na Argentina sou ativista da causa animal? Mais do que uma questão geográfica, o microjornalismo fala aos interesses de cada indivíduo. O hiperlocal, claro, se potencializa como critério de noticiabilidade, mas não é único e nem o mais importante.

Já em 2012 o Ibope mapeou os primeiros acessos dos brasileiros à Internet e eles já não eram mais portais (como nos anos 90, em função do default dos CDs de instalação de 30 dias de conexão dial up gratis que vinham com a edição dominical do jornal) nem mais os buscadores (como nos anos 00, quando o usuário assumia o controle do caminho a percorrer pela rede). O destino inicial passou a ser a mídia social. E o conteúdo, a atividade em destaque nesses espaços, não por acaso, estão relacionados ao que diz uma rede próxima de contatos. Esse pequeno mundo não reflete apenas ao interesse sobre os temas abordados, mas também à credibilidade sobre quem conta tal história. Se um conhecido relata um caso de racismo vivido na porta de um supermercado que frequento, antes do conteúdo presto atenção na autoria. É um sujeito que me inspira confiança? Teria alguma razão para inventar uma história assim? Supostamente, um círculo de amigos presume uma confiança maior do que consumidores em relação a marcas editoriais, onde a relação comercial é latente e constante.

Quais os interesses por trás de um relato de microrrealidade? Seria ingênuo pensar que os testemunhos que circulam pela rede são isentos. Nem fontes, jornalistas ou veículos o são. Como prova, proponho a reflexão inversa: quais os interesses por trás de um episódio não documentado pelo noticiário convencional? O depoimento de um morador de um bairro de SP sobre a especulação imobiliária, acompanhado pela denúncia do corte extremado de árvores na região dificilmente pautará notas de veículos patrocinados (ou sempre potencialmente financiados) por incorporadoras.

Na corrente de legitimidade do microjornalismo, episódios de falhas editoriais graves depõem a favor do modelo colaborativo das redes. A entrevista do sósia do Felipão publicada por Mario Sérgio Conti (1) na Folha de S. Paulo e no jornal O Globo, como se fosse com o próprio técnico, se soma aos seis meses de invenção de entrevistas de Jayson Blair (2) no New York Times e às dezenas de plágios publicados por Maire’Louise Gumuchian (3), na CNN. Todos, jornalistas profissionais atuando em veículos de renome no noticiário tradicional e online, para citar apenas três. Obviamente isso não garante a confiança absoluta sobre o conteúdo produzido pelo cidadão repórter; mas também não situa o UGC (user generated content) num patamar inferior ao jornalístico profissional.

Por fim, microjornalismo é uma exclusividade das mídias sociais? Minha hipótese atual é que não; que os veículos – mesmo os noticiários convencionais – podem e devem se beneficiar desse modelo. Num desenho minucioso de produto, fluxo editorial e valores-notícia, empresas jornalísticas podem estar diante de um possível caminho para recuperar a credibilidade e o valor de mercado.

Notas:

  1. Acesse aqui http://goo.gl/wjeS3O
  2. Acesse aqui http://en.wikipedia.org/wiki/Jayson_Blair
  3. Acesse aqui http://goo.gl/IiGmxb

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