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Augusto de Franco

Não sabemos a origem da palavra netweaving que faz referência a alguma coisa como “a arte de tecer redes” (evocando aquela expressão de Platão, no diálogo “O Político” – a “arte do tecelão” – que seria perfeita se o autor não tivesse atribuído tal arte a um sujeito autocrático: o sábio governante). Mas sabemos que ela é bem melhor do que networking, que lembra a aborrecida ética protestante do trabalho e, pior ainda, invoca um ethos desumano ancestral.

Da perspectiva de uma sociedade em rede, ‘trabalho’ será um conceito problemático. Não é a toa que tenha surgido, na antiga Mesopotâmia, com a conotação de sofrimento. Aliás, na mitogonia suméria, segundo a “Epopéia da Criação” – que contém alguns dos relatos mais antigos que conhecemos de uma cultura sacerdotal, hierárquica e autocrática – o homem teria sido criado pelos deuses para suportar o jugo, sofrer a fadiga. Já foi criado como trabalhador – um ser inferior, escravo dos deuses – para propiciar a liberdade dos deuses, que passaram então a exigir dos homens adoração. Adoração significava, originalmente, segundo os relatos bíblicos, trabalhar para os seres superiores (o hebraico guarda esse genos do termo: a palavra “avod” = adoração, significava ‘trabalho’, trabalho para uma deidade e essa deidade era simultaneamente “senhor”, “soberano”, “rei”, “governante” e “dono” – enfim, superior). O homem antigo dos sistemas hierárquico-autocráticos não propriamente adorava seu(s) deus(es) mas temia-o(s) e trabalhava para ele(s). E, é claro, para seus intermediários humanos: os sacerdotes.

Assim como temor não é amor, trabalho não é algo que possa humanizar os seres humanos enquanto sujeitos interagentes em relações horizontais com outros seres humanos. Quando se trabalha para um superior que aprisionou seu corpo e escravizou ou alugou sua força e sua inteligência, é-se subordinado, sub-ordenado segundo um padrão de ordem vertical, alocado em um degrau inferior da escada do poder. Hierarquia é o nome original da ordem (arché) imposta top down por esse poder sagrado (hieros), separado (dos outros) e replicador de separações sociais.

Networking não é netloving. Netweaving pode ser.

No meu livro “Novas visões” (2008) já escrevi um pouco sobre três papéis relevantes na sociedade emergente.

A chamada sociedade em rede ou sociedade-rede não é uma novidade que está nascendo para substituir a sociedade hierárquica. Ela é (sempre) a (mesma) sociedade que se manifesta assim, como rede distribuída, toda vez que não está rodando programas verticalizadores. Ocorre que, ultimamente, os meios horizontais de conexão transitiva estão ganhando uma velocidade jamais experimentada. De sorte que as fluições distribuídas estão se espalhando: como a vida, elas estão conquistando o globo, não pelo combate e sim pela formação de redes. E estão cobrindo o planeta como uma pele. Dessarte, o social (no sentido especialíssimo que Humberto Maturana empresta ao termo) está podendo se manifestar com mais freqüência. E essa freqüência está aumentando em um ritmo alucinante.

Assim, normas e valores estão sendo rapidamente modificados. Novos scripts estão se infiltrando (se instalando como vírus) e alterando antigos programas. Novos papéis sociais — como os desempenhados pelos hubs, pelos inovadores e pelos netweavers — estão surgindo, mudando a própria idéia de sucesso: na rede, você é importante na medida de sua capacidade de exercer uma dessas três funções e não de seu exibicionismo, de sua desenvoltura em usar os semelhantes como instrumentos para sua projeção ou de sua auto-reclusão estudada, baseada em uma opinião muito favorável sobre si mesmo ou baseada em seu currículo.

Fama, glória, riqueza, poder, conhecimento atestado por títulos — que são sinais de sucesso em outros tipos de sociedade — tendem a não ser os atributos mais importantes na sociedade-rede.

O que são os netweavers?

Netweavers são os “tecelões” e os animadores de redes voluntariamente construídas. Na verdade, eles constroem interfaces para “conversar” com a “rede-mãe”. Os netweavers não são necessariamente os estudiosos das redes, os especialistas em Social Network Analysis ou os que pesquisam ou constroem conhecimento organizado sobre a morfologia e a dinâmica da sociedade-rede. Os netweavers, em geral, são políticos, não sociólogos. E políticos no sentido prático do termo, quer dizer, articuladores políticos, empreendedores políticos e não cientistas ou analistas políticos.

Os políticos tradicionais, entretanto, não são netweavers e sim, exatamente, o contrário disso: eles hierarquizam o tecido social, verticalizam as relações, introduzem centralizações, obstruem os caminhos, destroem conexões, derrubam pontes ou fecham os atalhos que ligam um cluster a outros clusters, separando uma região da rede de outras regiões, excluem nodos; enfim, introduzem toda sorte de anisotropias no espaço-tempo dos fluxos. Fazem tudo isso porque o tipo de poder com o qual lidam — o poder, em suma, de mandar alguém fazer alguma coisa contra sua vontade — é sempre o poder de obstruir, separar e excluir. E é o poder de introduzir intermediações ampliando o comprimento da corrente, dilatando a extensão característica de caminho da rede social ou aumentando seus graus de separação, ou seja, diminuindo a conectividade. Não é por outro motivo que os políticos tradicionais funcionam, via de regra, como despachantes de recursos públicos, privatizando continuamente o capital social. Pode-se dizer que, nesse sentido, os políticos tradicionais são os anti-netweavers, visto que contribuem para tornar a rede social menos distribuída e mais centralizada ou descentralizada, isto é, multicentralizada. Também não é à toa que todas as organizações políticas — mesmo no interior de regimes formalmente democráticos — têm topologia descentralizada ou mais multicentralizada do que distribuída. Essa também é uma maneira de descrever, pelo avesso, o papel dos netweavers.

Os netweavers desempenham hoje um papel parecido com o que cumpriram os hackers, dez anos atrás.

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