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Luiz Algarra

Os seres humanos vem construindo seu viver a partir de conversações. Vivemos mergulhados na linguagem e compartilhamos em grupos nossas experiências de vida desde os tempos das cavernas. Antes das sociedades patriarcais/matriarcais, esse compartilhar acontecia na igualdade da legitimidade de todos os indivíduos. Formamos nossa cultura desse modo, aprendendo uns com os outros de maneira livre e não ordenada.

Entretanto, os modelos civilizatórios centralizados nos orientaram em um outro modelo de convivência no qual os papéis de pai, tutor, chefe, mestre e senhor surgiram promovendo a diferenciação entre quem sabe e quem aprende. Nossas escolas estão organizadas assim, as empresas se hierarquizam desse modo e em nossas casas também convivemos nesta dinâmica.

Quando Harrison Owen propõe o Open Space como método de organização para o encontro de grupos, ele nos traz exatamente uma ferramenta de convivência que nos permite resgatar nosso modo de ser mais natural e fluente. Open Space então ocorre, como um espaço aberto onde de modo livre e não-hieráquico podemos nos reunir para aprendizado, decisão, solução de conflitos ou puro entretenimento.

Academicamente, o Open Space se inspira em inúmeras referências como a Aprendizagem Construtivista de Jean Piaget e a Aprendizagem Cognitiva de David Ausubel.

Owen em seu artigo “Opening Space for Emerging Order”, explica os Quatro Princípios do Open Space:

1) Seja quem for que veio, é a pessoa certa;
2) O que quer que aconteça, é apenas aquilo que deveria ter acontecido;
3) Quando quer que comece, é na hora certa;
4) Quando acabar, acabou.

Complementados pela Lei dos Dois Pés que afirma, “Se a qualquer momento você encontrar-se em uma situação onde não estiver nem aprendendo ou nem contribuindo, use seus dois pés e dirija-se para um lugar mais ao seu gosto”.

Observem que estas leis não são regras a serem seguidas, mas apenas descrevem o que ocorre naturalmente. Elas tem um efeito legitimador sobre nosso modo de ser espontâneo, livrando-nos da culpa e da punição por desejarmos abandonar uma reunião chata ou divagar mentalmente enquanto alguém diz algo que não nos interessa. Os princípios de Owen não são norteadores, são liberadores!

Vale registrar que o Open Space, o BarCamp, a desconferência e as outras formas de conversação livres em grupo, como o Worldcafe e a Investigação Apreciativa, surgem quase simultaneamente nos anos 80 a partir de pesquisadores acadêmicos do Canadá, México e Estados Unidos, logo antes do surgimento da internet como a conhecemos.

Desse modo, nesta segunda década do século XXI cabe perguntar, como podemos desejar que as pessoas interajam de uma maneira inovadora nos meios digitais se nos encontros presenciais ainda mantemos os velhos modelos de reunião, palestra, aula, congresso e conferência? Foi buscando esta resposta que conheci Harrison Owen e seu Open Space.

Uma conversação feita com a metodologia Open Space acontece em um espaço com salas ligadas por uma área central. Nessa área de passagem, fica uma lousa com a grade de horários para a utilização de cada sala.

A atividade começa com uma introdução às regras. Os participantes podem ir à lousa e propor temas para serem discutidos preenchendo a grade. As pessoas que se interessam por aquele assunto aparecem na sala e no horário definidos.

O que ocorre dentro das salas é de total competência dos participantes. Eles podem escolher conduzir a atividade como um debate, uma apresentação, um painel, uma mesa redonda ou por outro formato. No final de cada atividade, as pessoas voltam à lousa para escolher as próxima atividade.

Ao longo do evento, alguns temas desaparecem e outros se destacam, voltando à lousa para serem mais apreciados. Normalmente, o encontro não acaba com o fim das atividades porque os participantes continuam as conversas em bares e restaurantes, fluindo sem expectativas nem restrições.

Inúmeras variações sobre este fluxo de conversações podem ser estabelecidas, inclusive, em organizações hierarquicamente estruturadas. Basta vontade e incentivo para que as pessoas se reúnam em micro-encontros sem propósito, estimuladas a trazerem o que nelas emerge de mais oportuno e relevante ou apenas o que lhes atrai circunstancialmente, por que não?

Aqueles que experimentarem esta simples e poderosa transgressão sentirão os efeitos que o resgate das livres conversações humanas poderá trazer ao seu sistema, da inovação à solução de problemas, do engajamento à criatividade, do real interesse ao bem-estar humano.

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