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Diego Franco

Vou ver o que tá passando.

Essa frase trivial, repetida por muitos de nós quando à frente de um rádio ou de uma TV, nos é tão cotidiana que mal percebemos quão bem ela define limites da radiodifusão – ou broadcasting. Repare: rádio e TV são como ruas, são aparelhos construídos para dar passagem ao conteúdo, não para contê-lo.

Essa é uma característica técnica desse modo de transmitir conteúdo audiovisual. Uma não – a mais importante, já que foi a partir dela que empresas de radiodifusão organizaram sua atividade. A conseqüência de os 10 melhores programas passarem em um fluxo de transmissão ininterrupto como o tempo, é a organização do conteúdo de uma emissora segundo as horas de um dia, os dias de um calendário – a grade de programação. E é tão técnica essa característica que seguem esse esquema não só conglomerados de magnatas-capitalistas-malvados da mídia como, sei lá, Rupert Murdoch, mas também emissoras educativas, comunitárias e de propriedade de homens santos como Edir Macedo. Pensou radiodifusão, pensou broadcasting: pensou nos limites de uma grade.

Mas… e se houvesse um meio de transmitir conteúdo audiovisual que rompesse esse limite da radiodifusão? Uma mídia audiovisual cuja própria premissa técnica fosse a possibilidade de o conteúdo ser transmitido e ao mesmo tempo contido?

Há até pouco tempo um bom ponto de partida para exercícios de futurologia, desde meados da década de 00 essas perguntas estão com o prazo de validade vencido: essa mídia já existe. É o podcasting, uma forma de transmitir e ao mesmo tempo transferir conteúdo em áudio ou vídeo pela internet. Essa transmissão é tão transmissão quanto a do broadcasting, pois une produtor e consumidor de forma simples e direta. Não precisa apelar para gambiarras como a fita cassete ou o TiVo. Um podcast, nome dado aos “programas” transmitidos em podcasting, não passa – ele chega ao aparelho receptor; no caso, um computador ou um dispositivo móvel.

(Aqui vale um esclarecimento quanto à terminologia. Podcast significa um produto transmitido via podcasting, seja em áudio ou vídeo. Mas os termos audiocast e videocast também são comumente encontrados. Neste texto, podcast em seu significado lato teve predileção pela simplicidade.)

Como a linearidade da transmissão em broadcasting, essa é uma característica técnica do podcasting. Aqui, o equivalente à antena da TV que capta uma transmissão é o leitor de RSS, um software que reconhece e captura atualizações em sites, blogs e podcasts previamente escolhidos (assinados) pelo usuário. Uma página de podcasts, após ter sido assinada, passa a transmitir automaticamente novos “programas” para o computador do assinante. O podcast fica armazenado no leitor de RSS, podendo ser acessado a qualquer momento, mas também pode ser salvo no próprio computador do usuário. Assim, cai o conceito de grade de programação – o consumidor decide quando e como consumir o áudio ou o vídeo.

É interessante como os podcasters – produtores de podcasts, praticantes de podcasting – organizam suas criações segundo essa característica. A maioria dos podcasts nativos, aqueles criados originalmente para a mídia podcasting, busca dar tratos de atemporalidade ao conteúdo. E com isso, no Brasil, já há quem consiga milhares de download por edição, centenas de comentários por edição, como é o caso de podcasts como o PodSemFio e o Nerdcast. O mesmo se dá nas melhores adaptações de conteúdo de rádio para podcasting, como a experiência da rede CBN: publica o filé da sua programação original, os comentaristas, numa leitura bastante acertada das características técnicas e da vocação do podcasting.

Então dá pra fazer uma continha de mais, somando um bom uso da inexistência de grade de programação aos números superlativos exibidos pelos podcasts citados, e concluir que tem aí uma receita de sucesso?

Não. Porque isso seria esquecer outra característica do podcasting, tão importante quanto a predileção por conteúdos libertos do calendário. Sendo mais um fruto da intersecção de desenvolvimentos tecnológicos e sociais que conhecemos como web 2.0, o podcasting é fundamentalmente uma mídia aberta a qualquer um – você ou a Rede Globo.

Criar um podcast é simples como abrir uma conta de email: basta acessar um site de hospedagem gratuita de podcasts como o MyPodcast que em poucos minutos você já terá um espaço para publicar seu podcast. E a técnica de gravação e edição também não exige conhecimentos avançados ou equipamento caro – microfones ou câmera simples são excelentes opções para iniciantes, e softwares livres de gravação e edição de áudio e vídeo, de uso intuitivo, estão disponíveis e contam com uma grande comunidade de adeptos dispostos a ensinar seu uso. Há ainda fóruns específicos sobre podcasting, como o PodForum, que reúne muitos podcasters brasileiros e promove discussões que vão da técnica aos direitos autorais.

Dada essa facilidade de produção para o iniciante sem medo de pesquisa, é de se perguntar se não soa um tanto deslocado trazer para o podcasting o critério do broadcasting de valorização de produtos e produtores – a audiência. Porque alguém pode criar um podcast musical para ser ouvido pelos amigos, um professor pode manter um podcast como material de apoio para seus alunos, um podcast bastante específico pode ser de grande repercussão entre um público pequeno, e todos podem dizer que consideram sua experiência um sucesso.

No que cai a grade de programação, multiplicam-se as possibilidades do que é ou não êxito para um produtor. E torna-se possível, a exemplo do que foi feito com o broadcasting, captar sua essência em uma frase a ser posta na boca de um hipotético consumidor:

Vou ver/ouvir o que eu quero.

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