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Alexandre Hannud Abdo

Ao longo do segundo semestre de 2008 aconteceu algo curioso comigo. A certa altura reparei que estudava numa wiki – a Wikipédia – ensinava noutra wiki – o Portal Conhecimento – trabalhava numa terceira – o repositório do projeto Graph-Tool – e organizava um evento – o encontro Reverberações – e um movimento – o Wikibrasil – numa quarta wiki.

Logo, e sem muitas opções para preencher os sonhos senão com essas memórias do meu dia, acabei transformado num “24 hour wiki people”. Mas não se espante, este sendo um texto introdutório – escrito no Tomboy, um aplicativo de wiki pessoal – conta-se essa ladainha para dar uma idéia da variedade de atividades que podem ter a wiki como suporte tecnológico. Mas o que é, afinal, uma wiki?

Chama-se “wiki”, palavra que no idioma havaiano significa “rápido”, à mais simples e flexível ferramenta de colaboração pela internet. Simples em conceito, mas complexa em sua tecnologia.

Trata-se de qualquer sítio onde o usuário pode, além de visitar as páginas, editá-las com apenas um gesto. Basta um clique na ligação “editar” e o conteúdo da página aparece numa interface adequada para ser modificado. Após modificá-lo, um clique no botão “salvar” registra as mudanças e aquela página passa a apresentar-se com as modificações a todos, que por sua vez podem seguir editando-a.

Mas a tecnologia da wiki não para aí. Cada modificação feita fica armazenada num lugar visível por todos, e pode ser desfeita com a mesma facilidade. Diferenças entre modificações também podem ser visualizadas, e cada página permite ao usuário inscrever-se caso deseje ser avisado sobre mudanças. Isto é, a ferramenta permite utilizar a memória e sinalizar mudanças de cada página. Com essas três qualidades: edição, memória e sinalização, a colaboração através de wikis torna-se extremamente eficiente.

Claro, acrescente-se à receita a qualidade fundamental da web, o hipertexto, que no caso das wikis tem sabor especial: cada ligação para um endereço dentro da wiki que ainda não tenha conteúdo, além de apresentar-se com uma cor distinta, ao ser clicada remete já à interface para inserir novo conteúdo. Permite-se, assim, organizar idéias ainda não desenvolvidas de uma forma que estimula e facilita a contribuição.

Por sua natureza livre, mas destacadamente quando abertas a contribuições de um grande número de pessoas, as wikis giram em torno do seu conteúdo e não dos seu autores. Isso também a diferencia da maioria das ferramentas da internet. Nos blogs, por exemplo, o autor da mensagem pauta o conteúdo e cada comentário representa individualmente a opinião dos outros usuários.

Nas wikis, quanto mais relevante o assunto de uma página, mais interessados haverá e, como cada um destes pode editá-la como um todo, apenas o entendimento coletivo permitirá compor uma versão duradoura. Quando não há entendimento, ocorrem disputas de edições e algumas wikis tem mecanismos de moderação para evitar isso.

Para facilitar esse diálogo, algumas implementações anexam a cada página uma outra, específica para discussão da primeira. Os usuários então aproveitam esse espaço de discussão como fórum, rascunho e até para organização da micro-comunidade que surge em torno de certas página muito populares.

Por isso, paradoxalmente, a experiência nas wikis tem uma dimensão muito próxima do convívio humano. A maioria das ferramentas da internet, ao garantirem tecnologicamente o controle individual do seu espaço de expressão, eximem o usuário de parte do desafio de conquistá-lo socialmente.

Assim, o conteúdo está na ribalta, mas as pessoas construindo-o tornam as wikis também um lugar interessante para fazer amigos e aprender a viver partilhando um espaço de todos… ou fazer inimigos e destruí-lo.

Por fim, não há como abster de destacar o exemplo máximo das wikis, a Wikipédia. Para quem não conhece, a maior enciclopédia do mundo construída por milhões de voluntários, muitos deles anônimos.

A quem está hoje acostumado a consultá-la, um professor meu costuma lembrar o quanto o seu sucesso contraria o senso comum e econômico do homem moderno pré-digital, de apenas uma década atrás, para quem eficiência de produção era alcançada com incentivos monetários, barreiras de acesso e um sistema de hierarquia rígido.

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