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Sofrimentos vividos ou evitados

A mente humana é algo realmente extraordinário, capaz de imaginar e criar situações complexas em segundos. Adicionado à minha característica de mapear riscos e rotas alternativas, minha mente criou uma extensa lista de tudo o que poderia ter acontecido até aquele momento. Acidentes que poderiam ter sido causados durante uma sincope por falta de sangue em meu organismo. Poderia ter provocado prejuízos não só a mim mesma, mas também a desconhecidos ou até mesmo conhecidos. O tumor poderia ter crescido mais, poderia ter afetado outros órgãos, poderia estar em metástase, poderia ter atingido o pâncreas e da noite para o dia, lidar com a diabetes.

Só a sincope já traria danos irreversíveis a minha mente e coração, o que dirá se isso acontecesse enquanto estava dirigindo?

A lista era extensa e quanto mais pensava mais situações vinham a minha mente. Isso não me trazia nenhum conforto, na verdade, trazia mais angústia, mais impotência sobre o desconhecido, sobre o que realmente se tem controle nessa vida. Um dia estava mergulhando em Ilhabela, algumas semanas depois, recebendo sangue para me preparar para a cirurgia.

Milagres vividos, alegrias por vir, futuro a ser descoberto

Por outro lado, poderia olhar para o que tinha dado certo, o cuidado que recebi e dos acontecimentos reais que antecederam o meu diagnóstico. Há cerca de dois anos, cheguei a parar de pagar o plano de saúde, por uma decisão momentânea de morar fora do país. Só voltei atrás, depois que meu pai, durante uma conversa via Skype me questionou sobre o mesmo e me aconselhou a não desistir do plano. Na época, até ofereceu ajuda financeira para que o mantivesse ativo. Cinco meses antes de minha internação, a operadora desse mesmo plano de saúde assinou uma parceria com o hospital referência que pude ser internada e operada.

Alguns meses antes de meu diagnóstico, a Agência Nacional de Saúde – ANS incluiu o tratamento com Mesilato de Imatinibe, nome comercial Glivec® para GIST no rol de cobertura obrigatória com vigência a partir de um mês após minha cirurgia. Sem essa alteração na legislação, eu teria que arcar com o custo mensal da medicação aproximadamente 12 mil reais. A título de comparação, o salário-mínimo no Brasil em 2014 era de 724 reais.

Seria impossível para mim, e para grande parte da população brasileira, conseguir manter esse tipo tratamento por 3 anos, com o custo total estimado em R$ 432.000.

Sim, existia a possibilidade de ser entrar com um recurso judicial para exigir que o SUS me fornecesse esse medicamento gratuitamente. Mas para isso, seria necessário contratar um advogado especializado, e contar com a disponibilidade de verba da Unidade de saúde para que eu fosse até lá e retirasse a medicação. Conheci pessoas que utilizam o mesmo medicamento para tratar outra doença, e eles me relataram que por diversas vezes, eles ficaram sem medicação por falta de disponibilidade do SUS.

O tumor puxou alguns vasos sanguíneos do meu intestino para se alimentar. Esses vasos eram fracos e se rompiam quando os alimentos passavam por eles. A sangria desatada, ainda que em baixo nível, permitiu que o tumor fosse identificado e retirado com apenas 2,5 centímetros.

Com apenas sete meses de trabalho, recebi meu segundo aumento salarial e um prêmio de reconhecimento ao mérito por ter participado de um projeto semanas antes de ser internada. Ainda sem mencionar que devido a um acordo sindical, os funcionários desta empresa podiam contar com o pagamento de suas remunerações integrais mesmo que afastados pelo INSS.

No Brasil, quando um empregado tem uma doença e precisa ser afastado de suas atividades profissionais por mais de 15 dias, ele deve ser indicado a um médico perito para que esse avalie se realmente é um caso de afastamento e determinar qual será período do seu afastamento laboral.

Até aí, tudo bem, no entanto, existem algumas complicações como:

  • A demora para agendamento da perícia: no final de 2013, a espera era de dois a três meses. A minha perícia só ocorreu em fevereiro de 2014.
  • Na maioria dos casos, os médicos particulares solicitam mais tempo que o tempo concedido pelos peritos. O que prevalece é a opinião do perito. No meu caso, foi ao contrário: meu médico me deu apenas um mês de licença, e o perito achou pouco, e o aumentou para dois meses, e ainda me deu liberdade para voltar ao Posto do INSS e solicitar mais tempo, caso eu precisasse. Segundo ele, a minha cirurgia teria sido muito complexa e apenas um mês não seria suficiente para minha recuperação completa.
  • O início do pagamento ou não do auxílio-doença só é feito após a aprovação do perito. Eu só recebi meu benefício depois de três meses do meu afastamento.
  • Independente do salário da pessoa, o valor máximo que ela receberá de auxílio-doença do INSS será correspondente a 91% do valor máximo do salário de contribuição. Em 2013, o valor máximo de auxílio-doença era um pouco inferior a R$ 4.000.

Contudo, apesar de estar afastada pelo INSS, eu não fiquei sem receber meu salário integral e isso me garantiu tranquilidade para focar em meu tratamento e recuperação.

A legislação havia sido alterada em meu favor, acordos comerciais haviam sido firmados e me beneficiado, provisão financeira estava assegurada um pouco antes da necessidade. Isso tudo me fez pensar que poderia mudar o foco de meus pensamentos, ao invés de sofrer por aquilo que poderia ter acontecido poderia me alegrar com o que realmente aconteceu. Mais ainda, poderia me alegrar com a possibilidade infinita de futuro, de experiências ainda mais gratificantes e duradouras em minha vida, de sonhos sendo realizados.

Qual seria a minha perspectiva?

A decisão era minha, sofrimento vivido ou evitado versus alegrias por vir, milagres, futuro a ser descoberto.

Escolhi olhar os fatos e me alegrar com o futuro a ser descoberto. Meu foco estava naquilo que ainda seria vivido, não mais em meu passado imutável. Paulo já declarava em sua carta aos Filipenses:

Não que tenha obtido tudo isso ou tenha sido aperfeiçoado, mas prossigo para alcançá-lo, pois para isso também fui alcançado por Cristo Jesus. Irmãos, não penso que eu mesmo, já o tenha alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus.  (Filipenses 3.12-14 NVI).

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