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Era um sábado do mês de novembro, uma tarde cheia de compromissos, visita a apartamentos a venda, degustação de buffet para evento de final do ano, caminhada no parque para aconselhamento, encontro de solteiros na igreja…Pouco a pouco, eu vi cada um desses compromissos sendo cancelados ou adiados… Até a chuva impediu a minha ida ao parque. Pensei: “Por que não aproveitar que estou por perto do hospital e passar com o clínico geral?”

Muito cansaço, dores de cabeça, nas pernas e dificuldade para respirar. De repente, o ato de tomar banho, se transformou em uma peça de três atos com intervalos de 5 minutos, entre o tomar banho em si, o se secar e o se trocar. Uma mulher saudável de 36 anos relata seus sintomas ao médico plantonista de um renomado hospital. Preocupado, ele decide investigar a causa de tamanho cansaço.  Para começar, exames de sangue, radiografia do tórax e tomografia da cabeça.

Intrigada, questionei a necessidade dos exames, uma vez que achei se tratar de uma crise de estresse causada pelas longas jornadas de trabalho. O médico, então, com o resultado dos exames, solicita a minha internação. A minha primeira reação foi desconfiar da real necessidade da internação. Seria esse um caso de abuso por estar desacompanhada? Segundos depois, lembrei-me que estava em um renomado hospital e minha desconfiança não fazia sentido, ainda mais depois de ouvir o próprio plantonista afirmar que o hospital estava com sua lotação máxima e que provavelmente nem teria um leito disponível para minha internação, e que ainda assim, minha internação era extremamente necessária.

Logo me dei conta que poderia estar com algum tipo de tumor no cérebro. Afinal, o que mais justificaria a tomografia e a internação? Cenas vieram à minha mente, a perda de peso, de cabelo, o longo tratamento, as várias prováveis idas aos hospitais e tudo mais que se ouve falar ou que já havia pessoalmente testemunhado em minhas visitas a pacientes com câncer. Minha primeira oração foi que não fosse esse o diagnóstico. Reconheci que talvez não tivesse forças para superar tudo isso sozinha. Mas numa fração de segundos, senti-me consolada e ao mesmo tempo em que me senti amedrontada me senti forte. Algumas frases vieram a minha mente: “A alegria do Senhor é a minha força!” e “Ainda que eu passe pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, pois comigo Tu estás!”.

Disse-lhes mais: Ide, comei as gorduras, e bebei as doçuras, e enviai porções aos que não têm nada preparado para si; porque este dia é consagrado ao nosso Senhor; portanto não vos entristeçais; porque a alegria do Senhor é a vossa força. (Neemias 8:10)

Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. (Salmos 23:4)

Eu sabia que se tivesse que passar por tudo isso, eu passaria, mas em meu íntimo, confessei que gostaria muito que não precisasse. Lembrei-me de Jesus orando: “Se possível, afasta de mim esse cálice…, mas que seja feita a Tua vontade!” E da mesma forma orei: “Senhor, se possível afasta de mim esse diagnostico, mas se não for possível, que a Tua vontade seja feita!”.

E, indo um pouco mais para diante, prostrou-se sobre o seu rosto, orando e dizendo: Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres. (Mateus 26:39)

Alguns minutos a mais e a constatação que a razão do pedido de internação, nada tinha a ver com a cabeça. Não era o resultado da tomografia o motivo de minha internação. O alívio rápido foi substituído pela intriga. Qual seria então o motivo da internação? Com um ar preocupado, o médico relatou que meu nível de Hemoglobina estava 5,5 g/dL. Não parecia grave, até o médico explicar que o nível mínimo desta proteína é de 12g/dL.

Subitamente, me dei conta que estava com menos da metade do nível mínimo de hemoglobina necessário para que meu corpo desempenhasse suas funções vitais. O médico plantonista compartilhou meu caso com outro clínico geral que me acompanharia durante o período de minha estadia no hospital. Logo, percebi que apresentava um quadro de anemia grave.  Ao se falar de anemia, automaticamente, muitos a associam a alimentação deficitária, frases do tipo, “você não se alimenta direito”, “você precisa comer mais feijão ou bife de fígado” são ouvidas pelos pacientes de anemia. E comigo não foi diferente.

Esses dois médicos me explicaram que nem mesmo os vegetarianos costumam apresentar taxas tão mínimas de hemoglobina, uma vez que eles procuram manter refeições equilibradas, consumindo alimentos fortificados com vitamina B12 para evitar a anemia e danos ao sistema nervoso. Verificaram meu histórico de exames e constataram que não se tratava de alimentação deficitária, uma vez que cerca de um ano atrás, meu nível de hemoglobina era de 13g/dL.

Depois de alguns minutos de conversa, olhar preocupado dos dois plantonistas, eu percebi que era mesmo hora de aceitar a internar. Os argumentos médicos para a internação de três de dias para que eu pudesse sair do hospital com diagnóstico e tratamento fez mais sentido do que três semanas de suspense e cansaço enquanto encaixava os exames necessários em minha rotina até receber seu diagnóstico completo e provável tratamento.

Porém antes de aceitar ir para o box do pronto-atendimento, fiz um pedido aos médicos: “Posso ir para casa buscar o meu Ipad e voltar em meia hora?”

Naquele momento, eu ainda não tinha entendido a complexidade da situação e ao ouvir “não” como resposta, contra-argumentei que apesar do baixo nível de hemoglobina estava bem, trabalhando normalmente e que havia ido por conta própria ao hospital. Seriam três dias de internação, precisava de meu Ipad, de roupas além de artigos de cuidados pessoais. Morava sozinha e não teria ninguém para ir buscar minhas coisas. Na verdade, pensei no que ficaria fazendo no hospital por três longos dias sem meu Ipad e que seria preciso ouvir uma segunda opinião antes de realmente aceitar a internação.

No caminho para casa, troquei algumas mensagens com minha amiga médica questionando se a situação era realmente grave e passível de internação.  Aproveitei também para pedir para outra amiga me dar carona até o hospital, pois não estava me sentindo bem para voltar dirigindo para lá.

Ao apresentar-me ao posto de enfermagem para finalmente me internar, ouvi da enfermeira responsável que ela não acreditava que eu realmente voltaria depois de ter ido para casa. Sem perder o bom humor, respondi: “Estou muito cansada para ser uma fugitiva hoje!”.

Não era para menos, meu nível de hemoglobina nesse sábado chegou a 4,4 g/dL! 1/3 do nível mínimo necessário para que meu organismo se mantivesse em pleno funcionamento.

Devido à falta de apartamento disponível, passei a primeira noite nas instalações do pronto-atendimento. A toalete, compartilhada com os demais pacientes do corredor, era localizada próximo ao posto de enfermagem. As primeiras duas idas à toalete foram tranquilas, fui e voltei sem ocorrências. Diferentemente da terceira, ao caminhar até o final do corredor, senti tonturas e fui amparada pela equipe de enfermagem que me levou de maca de volta para o box. Muitos questionamentos vieram nesta hora:

  • O que foi feito para que isso acontecesse?

  • Por que estava piorando agora que estava no hospital?

  • O que teria acontecido se tivesse passado mal antes de ir para o hospital ou sozinha a noite em casa?

  • Como foi possível continuar normalmente com minhas atividades apesar do baixo nível de hemoglobina?

  • O corpo humano realmente é capaz de se adaptar desta forma?

Algumas respostas foram descobertas nos dias posteriores, outras, continuam sem resposta.

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