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Luiz Carlos Delorme Prado
Introdução
Em situações históricas onde são identificados bloqueios estruturais ao crescimento econômico, é comum o surgimento de debates sobre reformas institucionais. Países tão diversos, como o Japão, a China, a Rússia, a Argentina e o Brasil tiveram, em diferentes momentos históricos, mudanças institucionais que foram fundamentais para permitir um novo curso na economia e na política do país. Esses são momentos em que decisões cruciais são tomadas, sendo que muitas vezes as escolhas realizadas nessas ocasiões têm impactos duradouros – ou seja, geram dependência de trajetória.
A relação entre Estado e Mercado é um elemento fundamental para a sustentabilidade do crescimento econômico moderno. Nesse contexto, a regulação é um instrumentode política pública que foi crescentemente empregado no mundo do pós-guerra[1]. Mas, regulação é um conceito impreciso e seu uso tem sido fortemente influenciado pelo debate teórico. No debate recente, surgiu uma extensa literatura sobre economia da regulação, inspirada pela chamada Nova Economia Institucional, em que a regulação é considerada um instrumento para facilitar o funcionamento da economia de mercado, através da melhor determinação dos direitos de propriedade e da redução dos custos de transação[2]. Nesse sentido, a intervenção do Estado, através da regulação econômica, tem sido defendida como instrumento para fazer as instituições domésticas mais funcionais- e os direitos de propriedade mais executáveis – em uma economia no Mercado.
Historicamente, o processo de desenvolvimento econômico brasileiro foi sempre dependente de um Estado ativo. Mas, o papel do Estado no Brasil não foi hostil ao mercado – ao contrário, mesmo durante o desenvolvimentismo, o objetivo da intervenção do Estado era ampliar o espaço para a atuação empresarial – uma vez que, no desenvolvimentismo, entendia-se que sem a ação do Estado, o setor privado não tinha o dinamismo necessário para promover o crescimento sustentado do país.[3].
Desde a crise do desenvolvimentismo na década de 1980, as relações entre Estado e Mercado no Brasil têm passado por grandes mudanças. Em especial, na década de 1990 observou-se um processo de acelerada mudança institucional. Este artigo discute, a as transformações na administração pública que resultaram da chamada Reforma de Estado, que foi empreendida no Brasil nos último quartel de século.
Este artigo sustenta que com a decadência do desenvolvimentismo na década de 1980 há uma tentativa de implantação de uma nova estratégia de desenvolvimento, de inspiração liberal, na década de 1990. Esta mudança dá-se através de uma agenda de reformas, que foi centrada particularmente no papel do Estado. No entanto, durante o Governo FHC e ao longo do Primeiro Governo Lula o modelo de relação entre Estado e mercado vai progressivamente adquirindo um caráter híbrido. Ou seja, embora profundamente alterado pelas reformas da década de 1990, as novas instituições criadas mantêm algumas das características tradicionais que vinham se forjando ao longo de muitas décadas, desde que foi criado um setor estatal ativo no país na década de 1930. Essa síntese deu ao Brasil características singulares em sua região, em que há simultaneamente vários aspectos da velha ordem desenvolvimentista e de um novo modelo liberalizante. Esse processo de liberalização parcial e contraditório, produto das características particulares da história brasileira, adquire formas peculiares, sendo um modelo híbrido de Estado regulador, com alguns elementos, adaptados à realidade brasileira, da agenda liberal.[4].
1. Origens das Reformas Liberais no Brasil.
Reformas econômicas associadas, exclusivamente, à ideia de uma agenda liberal foi uma novidade da década de 1990. Historicamente, a ideia de reformas econômicas aparece em diversos momentos da história recente brasileira associada a situações de crise econômica e/ou política. No início da década de 1960 o tema era polarizado entre a ideia de Reformas de Base e a de Reformas Econômicas Modernizadoras. Por um lado, os defensores das Reformas de Base, que se inspiravam na literatura estruturalista, argumentavam que a continuidade do desenvolvimento brasileiro requeria um conjunto de mudanças institucionais que pudesse mudar algumas das características mais perversas da estrutura econômica brasileira. Esperavam, portanto, queas reformas permitiriam melhorar a distribuição de renda e diversificar o consumo doméstico – a mais importante entre elas era a reforma agrária. Uma abordagem distinta era defendida por autores liberais, como Eugênio Gudin ou Octávio Gouveira de Bulhões, que sustentavam que não havia nenhuma característica especial no Brasil que justificasse a ação do Estado deforma distinta da realizada nos países mais avançados. Esses economistas defendiam que fossem realizadas mudanças que eliminassem o populismo econômico, que estaria na raiz da inflação e de outros problemas econômicos brasileiros. No entanto, quando os militares chegaram ao poder, as reformas econômicas que empreenderam abriram espaço para a ampliação do papel do Estado e, nesse sentido, não apenas mantiveram, como aumentaram o papel de um setor produtivo estatal, aliado a políticas públicas pragmáticas que promoviam crescimento econômico, embora às custos de crescente concentração de renda.[5]
Mas, a ideia de Reformas Econômicas que tomava corpo no Brasil no início da década de 1990 não retomava o debate anterior, sua origem e sua trajetória eram distintas. Elas estavam diretamente associadas ao fracasso do governo Sarney, que reuniu, por um lado, um grupo de economistas heterodoxos que empreenderam várias tentativas fracassadas de estabilização e poroutro, de uma prática populista, que abria espaço a que a velha política clientelista brasileira criasse novos espaços para práticas rent-seeking. Portanto, o apoio às reformas alimentava-se, no âmbito doméstico, da percepção por amplos setores da opinião pública de que ofracasso do governo Sarney poderia ser imputado a insistência de manter uma estratégia de desenvolvimento baseada na intervenção do Estado, que abria espaço à ineficiência e a corrupção. A crise da década de 1980 era vista como a prova definitiva do fracasso do modelo de desenvolvimento brasileiro. O Estado interventor seria também produto de uma concepção autoritária de sociedade e deveria ser enterrado no mesmo túmulo do regime militar.
Isto somava à crescente popularidade na comunidade empresarial, em especial no setor financeiro, mas também nos meios acadêmicos, da agenda de reformas liberais que foi chamada por John Williamson de Consenso de Washington.[6] A conjuntura internacional contribuía para sua difusão. Os EUA tinham sido vitoriosos na Guerra Fria: o regime socialista dos países do Leste Europeu desintegrava-se rapidamente. E na América Latina as ideias estruturalistas pareciam ter sido definitivamente abandonadas pelos novos governantes. O fracasso das políticas de estabilização heterodoxas na década de 1980, no Brasil, na Argentina e no Peru foi visto como evidência de que as estratégias de desenvolvimento regionais deviam ser modificadas.
Um marco importante nesse processo foi o fim do governo militar no Chile com a eleição de Patrício Aylwin, mas com a permanência da política econômica liberal. Esta era vista como a principal razão para o bom desempenho da economia chilena desde 1985 e, portanto, não deveria ser modificada pelo novo governo democrático.[7] No final da década de 1980 vários governos sul-americanos passaram a empreender políticas liberais e implementar reformas econômicas, inclusive alguns governados por políticos com tradição populista como Carlos Andrés Pérez na Venezuela e Carlos Menem na Argentina. Na mesma época chegam ao poder César Gaviria na Colômbia e Alberto Fujimori no Peru.
O esgotamento do Plano Cruzado no Brasil, já evidente no início de 1987, teve como principal consequência política a redução do apoio popular às estratégias econômicas identificadas como heterodoxas. Isto se deu em um contexto de importantes mudanças institucionais, através da Constituição de 1988,ainda influenciada pelo desenvolvimentismo moribundo, e da fragmentação da representação e da capacidade de ação coletiva do setor empresarial.[8] A ação administrativa do governo Sarney contribuiu para reforçar este quadro. Este se mostrava incapaz dedar respostas a crescente insatisfação e demandas da população, em um momento em que sua capacidade de persuasão reduzia-se rapidamente.
O Fracasso do primeiro governo democrático depois de vinte um anos de ditadura militar, gerou grande insatisfação. Além disso, generalizou-se a demanda por mudanças profundas nas políticas públicas brasileiras. Em decorrência desse sentimento, a campanha eleitoral em 1990 deu-se com polarização das preferências populares entre dois candidatos de esquerda e um da nova direita – ou seja, Brizola, Lula e Collor. Este último, embora de uma tradicional família de políticos nordestinos, apresentava-se como sem vínculos com os partidos tradicionais, e caracterizava-se por um discurso inflamado e fortemente anti-estado.
A vitória eleitoral de Collor marcou uma transformação profunda da ordem econômica brasileira, que viria mostrar-se duradoura. O novo presidente não podia ser caracterizado como um liberal, ao contrário, seu discurso previaformas de intervenção do Estado que certamente não pressupunham o princípio liberal de garantias de direito de propriedade e segurança jurídica. No entanto, seu programa previa uma profunda alteração do papel do Estado. Nesse sentido, seu governo marca o início de um ciclo de reformas liberais, que se aprofundarão nas administrações seguintes. Ou seja, depois de um início atribulado e populista, sob o governo Collor,as políticas de reforma do Estado vêm, nos governos seguintes, a constituir-se em um projeto efetivo de mudanças institucionais, para a implementação de um novo modelo de desenvolvimento, baseado nas formulações do Consenso de Washington.
O ponto de inflexão entre a política aventureira (anti-estado e populista) de Collor e a implementação de uma estratégia liberal no Brasil é a nomeação de Marcílio Marques Moreira, como ministro da fazenda “ético”, já no ocaso do governo.
Durante o regime militar a relação entre Estado e Mercado era bem definida, havia um razoável consenso quanto à eficácia da participação do Estado, sendo que a disputa dava-se na margem, sobre qual deveria ser a extensão da participação do Estado nas atividades produtivas. Essa visão foi bem apresentada em um painel, publicado em uma edição de domingo do Jornal do Brasil, no auge do período que se convencionou chamar de “milagre econômico.”[9] Nessa edição, o Ministro de Planejamento Reis Velloso publicou um artigo que apresentava, com excepcional clareza, a estratégia do governo militar em questões de intervenção do Estado nas atividades econômicas.[10]
Em sua interpretação, a responsabilidade do Estado é delimitada por duas posições polares: Por um lado, os Serviços Coletivos, ou seja, os bens públicos que seriam intrinsicamente de responsabilidade do governo, em função (i) de razões de exercício de soberania; (ii) administração de direitos e deveres dos cidadãos e (iii) por serem inapropriáveis. Por outro lado, os setores diretamente produtivos, que salvo em situações inequivocamente pioneiras (e por tempo determinado) devem ficar fora da intervenção do Estado.
Velloso identificava, também, entre esses dois extremos um conjunto de serviços de infraestrutura econômica (energia, transportes, comunicação) mais assemelhados aos setores diretamente produtivos e um conjunto de serviços de infra-estrutura social (educação, saúde e habitação) mais próximo da função de serviço público.
Considerando-se esta taxionomia a responsabilidade do Estado era facilmente definida e as políticas públicas podiam ser adequadamente formuladas. Dessa forma, eram consideradas funções intrínsecas do Estado o fornecimento de bens públicos, como justiça, segurança individual ou coletiva, construção de monumentos públicos etc. Reciprocamente, eram consideradas funções intrinsicamente privadas as destinadas à produção de bens e serviços diretamente produtivos. Neste caso, o Estado não atuava diretamente, mas podia usar instrumentos financeiros e, eventualmente, participação minoritária para estimular atividades que julgava necessária para sua política de desenvolvimento.[11]
No caso da infraestrutura econômica, o governo optou por um sistema de empresas de economia mista que deveria permitir o crescimento da oferta desses serviços com a qualidade e velocidade necessárias ao atendimento da demanda das empresas que atuavam nas atividades produtivas e nos serviços públicos. No caso da infraestrutura social o objetivo uma atuação do Estado pragmática, dependendo das características do setor. Assim, por exemplo, a habitação baseava-se em um modelo de estímulo financeiro, onde se deveria garantir recursos de financiamento para uma execução essencialmente privada. Em síntese, Velloso defendeu, nesse artigo, um modelo de desenvolvimento que ele definia como “um regime misto de Estado e iniciativa privada, com consistência e racionalidade das regras do jogo”.[12]
A matéria do Jornal do Brasil mostra, também, as visões de alguns setores da sociedade brasileira, no caso, empresários do setor financeiro, industrial, de empresas brasileiras e internacionais e, ainda, de um jurista, de um burocrata do Estado e de um intelectual. Essas se dividem nas seguintes correntes:
a) Reconhecem a importância da intervenção do Estado e do papel das empresas públicas e de economia mista, mas entendem que este deve ter sua atuação estritamente limitada a setores em que a iniciativa privada não tem interesse ou capacidade de atuar. Esta é expressa na afirmação de Mindlin de que “a ação do Estado deve limitar-se aos empreendimentos de infraestrutura ou àqueles que, pelo vulto do investimento, ou por sua demasia e longa maturação, escapem à possibilidade da iniciativa privada.”
b) Uma segunda visão é que a intervenção do Estado justifica-se como instrumento de descentralização, equilíbrio de poder, democratização de oportunidades e manutenção de uma sociedade pluralista, com mobilidade. Ou seja, os objetivos não são apenas econômicos, mas também gerenciais e sociais. No entanto, essa visão também sustenta que a intervenção do Estado não deve ir além de limites estreitos, independentemente da eficiência das empresas públicas. Ou seja, as mesmas razões administrativas, políticas e sociais que justificam sua intervenção, recomendam a limitação e circunscrição da atuação do Estado. Esta posição e sustentada pelo jurista Bulhões Pedreira, que justifica sua posição recorrendo à Constituição de 1967: “apenas em caráter suplementar da iniciativa privada o Estado organizará e explorará diretamente a atividade econômica.”
c) Uma terceira visão é que a participação do Estado deve ser vista como um instrumento de política de desenvolvimento. Esse posição sustenta que não há uma superioridade intrínseca do setor privado nas atividades econômicas e que a intervenção do Estado é limitada, apenas, por considerações de escolhas políticas e de estratégia de desenvolvimento. Essa posição é sustentada por Rômulo de Almeida e por Francisco de Oliveira. Esta posição pode ser exemplificada pela afirmação de Oliveira: “ O bom desempenho das empresas estatais desmente uma versão antiga que identificava empresa estatal com ineficiência”….“É a política que determina a opção entre maior ou menor participação estatal e não apenas aspectos econômicos de eficiência e ineficiência.” Segundo Rômulo de Almeida: …“se são apontadas ineficiências nas empresas públicas, também as há nas empresas privadas. O grande argumento é que esta não eram punidas pela falência. Também não o é a empresa privada grande que funciona oligopolisticamente.”
Portanto, a visão que prevalecia na sociedade brasileira até a década de 1980 é que as empresas públicas e a intervenção do Estado eram necessárias para o desenvolvimento brasileiro e que o desempenho da intervenção do Estado em questões econômicas eram em linhas gerais de boa qualidade e que as empresas públicas não tinham uma qualidade de administração muito diferente da grande empresa privada que operava em condições de oligopólio.
Portanto, uma questão fundamental da reforma de Estado no Brasil é a discussão da mudança da percepção da qualidade da atuação das empresas públicas entre a década de 1980 e de 1990. A meu juízo, esta mudança deve-se a dois fatores: um externo, ou seja, as interpretações teóricas sobre as falhas de governo que fundamentavam as recomendações de reformas estruturais na década de 1980; um interno, a crise financeira das empresas, produto do endividamento forçado durante a crise da dívida, combinado com sua instrumentação política, que tem como marco o governo Sarney que passou a usar a nomeação partidária para a gestão das empresas públicas e das empresas de economia mista – alterando a prática vigente de que essas deviam ser geridas por executivos profissionais e não por políticos de carreira.
As empresas estatais começaram a ser usadas como fonte de captação de recursos externos, independente da necessidade reais dessas empresas de financiamento em moeda estrangeira, na década de 1970. Com a crise do Petróleo em 1973 e a necessidade de financiamento dos déficits em transações correntes brasileiros durante o PND II, as estatais tinham vantagens relativas em captação de recursos, pela natureza de suas atividades, sua capacidade gerencial e sua garantias.[13] Dessa forma, a participação do setor privado na captação de recursos externos declinou continuamente, desde meados da década de 1970 – entre 1972/76, 58,6% da obtenção de empréstimos externos, em moeda estrangeira (Lei 4131), era realizada pelo setor privado; entre 1977/78 esta participação caiu para 43% e entre 1979/80 reduziu-se para 23%.[14]
Durante a crise era mais fácil obter financiamento para projetos concretos de investimento por grandes empresas estatais do que diretamente para o governo federal.para financiar déficits financeiros.[15] O setor público não apenas assumiu a responsabilidade por buscar recursos externos, mas sofreu também o maior peso do ajuste interno que se seguiu. Na década de 1980, com a eclosão da crise da dívida externa, foi o setor público, particularmente, as estatais que assumiram os custos mais pesados do ajuste doméstico à crise cambial.[16] Nessas circunstâncias, observou-se contínua deterioração na capacidade de investimento e na qualidade dos serviços oferecidos pelas empresas estatais. A combinação do endividamento forçado dessas empresas, da redução da sua capacidade de investimento e do padrão dos serviços prestados, alimentou, também, a imagem de ineficiência que lhes seria atribuída na década seguinte.
Na Nova República, as empresas estatais foram, também, afetadas pelos problemas de reorganização do bloco do poder. Por um lado a Constituição de 1988 deu bases legais para a ampliação da atuação do Estado, para a maior segurança e estabilidade do funcionalismo público e para a ampliação da capacidade de atuação de núcleos de poder estatais, não governamentais, como o Ministério Público. Por outro lado, no Governo Sarney, a tentativa das forças políticas de consolidar a articulação entre Estado e Mercado não se converteu em um sistema estável de poder[17].
Portanto, as empresas estatais, que antes eram consideradas por sua gestão profissional e eficiência, passaram a ser vistas como produtos da ineficiente intervenção do Estado. Essa visão era reforçada pelo fato de que ideias neoliberais, nessa época, já se tinham tornado majoritárias entre os dirigentes e técnicosdas organizações econômicas internacionais. Além disso, essas organizações tinham influência crescente sobre os rumos da política econômica no Brasil, devido a extrema fragilidade da economia brasileira, pressionada por desequilíbrios externos e internos.
Em síntese, a crise econômica brasileira, tanto na sua dimensão externa – ou seja, a necessidade de negociar a dívida externa, como na sua dimensão interna – ou seja, a aceleração da inflação – combinam-se com a dificuldade de um novo arranjo político estável para criar as condições do fim do projeto desenvolvimentista, que será, inicialmente levado a cabo pela eleição de um político populista, que se apresentava como anti-estado e anti-establishment,Fernando Collor de Mello.
2. A Redefinição do Papel do Estado no Brasil
Enquanto o desenvolvimentismo foi a ideologia que orientava a ação governamental o papel do Estado e do setor Mercado eram bem definidos. Em linhas gerais, prevalecia a ideia de que havia um conjunto de atividades econômicas tipicamente de Estado (por razões estratégias, por administrar direitos e deveres dos cidadãos e por não serem apropriáveis privadamente) e um conjunto de atividades econômicas tipicamente privadas (a produção de bens e serviços diretamente produtivos) e no meio um conjunto de serviços de infraestrutura física e social, que podiam ser administrados pelo Estado ou pelo setor privado, mas sob o comando do primeiro. No governo Collor esse modelo foi abandonado, mas não havia um modelo alternativo para ser posto no lugar.
Collor não fez uma campanha para a presidência, contando com uma equipe coesa de formação liberal. As reformas de Collor não foram produto da vitória de um partido de direita com ideias claras sobre os rumos que queria imprimir ao futuro da sociedade brasileira. Não havia uma pressão de partidos políticos de direita, como na Argentina e no México, e nem o governo tinha sido ainda hegemonizado por um grupo tecnocrático liberal, normalmente com doutorado norte-americano, tais como nos casos do México, na década de 1980, e na Argentina da década de 1970. A estratégia de campanha de Collor foi atacar os setores organizados da sociedade brasileira e apelar à massa desorganizada. Nesse sentido essa estratégia foi mais parecida com as ações dos presidentes De la Madrid e Salinas em seus ataques ao corporativismo mexicano e sua intenção de usar as reformas contra as organizações existentes da sociedade.[18]
A política econômica defendida por Collor respaldava-se na percepção quase generalizada que o Estado brasileiro tinha perdido sua capacidade de investir. Por outro lado, vários setores sob o controle do Estado não eram mais estratégicos para o desenvolvimento, e finalmente, o que restava de respeitável no desenvolvimentismo tinha sido destruído pela politização fisiológica do governo Sarney.[19] Portanto, a ideia de reformas como parte de uma nova agenda de desenvolvimento no Brasil foi se firmando lentamente, tendo seu ponto de partida na avalanche de medidas propostas por Collor, mas permanecendo com poucas mudanças em todos os governos brasileiros na década de 1990.
O programa de ajuste estrutural de Collor tinha dois eixos principais: A Reforma do Estado, composta por uma Reforma Administrativa e uma Reforma Patrimoniale um Programa de Abertura Econômica, que consistia em uma Reforma da Conta de Capital e uma Reforma da Política Comercial.
A Reforma Administrativa no Governo Collor tinha três motivações que se reforçavam mutuamente. A primeira era produto da importância que opresidente dava ao marketing político, e tinha como fim reforçar uma das marcas mais poderosas da imagem que Collor pretendia projetar: a de “caçador de marajás”, isto é, de combatente do privilégio de setores do funcionalismo público que se beneficiavam de salários elevados através de acumulação de gratificações e de artifícios legais. A segunda era de natureza fiscal, isto é, a necessidade de equacionar o gasto público para controlar definitivamente as causas primárias da inflação. A terceira era de natureza estrutural, fazia parte de pretensão de reformar o Estado, reduzindo sua dimensão e influência, para adequá-lo a uma estratégia de desenvolvimento liderada por investimentos privados- e justificava-se por razões similares às argüidas a favor do projeto de privatizações.
As principais ações da reforma administrativa de Collor foram implementadas por medidas provisórias, posteriormente transformadas em leis. A essas seguiram um grande número de portarias e decretos que regulamentaram e deram forma a essas medidas legais. Os primeiros anúncios da equipe econômica de Collor sugeriam um grande número de demissões. A reforma administrativa começou a extinção de 3.700 cargos comissionados (DAS e FAS) e prosseguiu com o recadastramento dos funcionários das repartições, autarquias e empresas de economia mista. A Presidência da República determinou que em 60 dias os órgãos da administração federal, direta ou indireta, deveriam apresentar nova “fixação de lotação”, ou seja, o número de funcionários necessários para exercer as funções que lhes foram atribuídas. Esta informação seria a base para a determinação da necessidade de recursos humanos – os funcionários considerados supérfluos seriam postos em disponibilidade e se tivessem menos de cinco anos de serviço seriam demitidos.
Na primeira semana de governo, Collor extinguiu onze empresas estatais e treze outras agências – entre elas a Portobrás, Siderbrás, Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), Instituto Brasileiro do Café (IBC), Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater), Interbrás, Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS). Foram ainda extintas várias instituições de promoção cultural, entre elas: Fundação Nacional Pró-Memória, Fundação nacional de Artes (FUNARTE) e a Distribuidora de Filme SA (Embrafilme). O governo também anunciou que estava colocando a venda os imóveis funcionais: 42 mansões no Lago Sul, 10.759 apartamentos e centenas de automóveis.
Essas medidas foram apresentadas com estardalhaço, que sugeria que o governo tentava obter uma mobilização popular que transformaria o Presidente em grande líder carismático do processo de construção de um novo país. Nesse sentido, o primeiro alvo do governo foram os funcionários públicos e os órgãos de administração direta e indireta, que pareciam os grandes responsáveis pelos problemas do país. O governo anunciava uma grande redução no número de funcionário públicos,através da demissão pura e simples ou, na impossibilidade legal, colocando-os em disponibilidade. Prometia-se cortar 360.000 funcionários e o próprio governo anunciava ter conseguido demitir mais de 100.000.
Os números finais de funcionários públicos demitidos foram, contudo, menos espetaculares que o inicialmente anunciado. Até março de 1991, segundo dados publicados no Diário Oficial da União, foram demitidos 3.869 funcionários da administração direta, postos em disponibilidade 54.828 e aposentados 36.182, perfazendo um total de 94.879. Muito menos confiáveis eram, contudo, os dados das demissões de empregados das empresas estatais, pois estas não estavam submetidas às mesmas regras de contratação e demissão dos funcionários públicos da administração diretaDados divulgado pelo Programa de Reforma Administrativa, que em tese consolidavam informações de demissões em empresas públicas e na administração direta informavam que até março de 1991 teriam sido demitidos 134.103 funcionários, aposentados 45.163 e postos em disponibilidade 55.573, perfazendo um total de 234.839 funcionários reduzidos.
O impacto fiscal dessas medidas foi pífio. O gasto com pessoal e encargos sociais caiu quase meio ponto percentual do PIBem 1990 relativamente a 1989. No entanto, tal queda foi provavelmente causada mais pela deterioração do valor real dos salários do funcionalismo do que de uma efetiva redução de seu contingente. Por outro lado, os ganhos no pagamento ao funcionalismo federal foram mais do que compensados pelo aumento das transferências por conta da seguridade social, que cresceram 0,6% do produto nesse ano. (Villela, pg.29-30). Portanto, sob o ponto de vista fiscal, a Reforma Administrativa de Collor foi, no mínimo, inócua, e provavelmente negativa, uma vez que gerou custos elevados provocados pela desorganização administrativa do Estado e pelo grande crescimento dos pedidos de aposentadorias, em especial de pessoal mais qualificado e experiente. No caso das empresas estatais, no entanto, a política de demissões precedeu a decisão de privatização, e fazia parte da estratégia de preparar essas empresas para serem leiloadas. Entretanto, a maior parte das demissões desses funcionários ocorreram depois das privatizações e não antes delas.
O programa deReforma Patrimonial do governo Collor tinha um componente de curto prazo – a venda de ativos da união, como imóveis funcionais e automóveis oficiais – e outro estrutural que foi ironicamente chamado de PND- Programa Nacional de Desestatização. Este foi definido pela Lei n.8.031 de 12/04/1990. Esse programa deveria ser implementado pelo Conselho Nacional de Desestatização e pelo BNDES. O CND era o principal órgão de planejamento do processo de privatização. Estava diretamente vinculado à Presidência da República e tinha status ministerial. O BNDES administrava o Fundo Nacional deDesestatização (FND) e era o responsável por administrar os recursos oriundos desse processo.
O PND propunha-se a transferir empresas e atividades para o setor privado através de um conceito de alienação bastante amplo. A Legislação permitia os seguintes processos de privatização:[20]
a) alienação de participação societária, inclusive de controle acionário, preferencialmente a pulverização de ações junto ao público, empregados, acionistas, fornecedores e consumidores;
b) abertura de capital;
c) aumento de capital com renúncia ou cessão, total ou parcial, de direitos de subscrição;
d) transformação, incorporação, fusão ou cisão;
e) alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações;
f) dissolução de empresas ou desativação parcial de seus empreendimentos, com a conseqüente alienação de seus ativos.
O Plano pressupunha que os recursos da privatização deveriam ser aplicados na redução da dívida pública, e não usados para cobrir gastos de custeio. Para superar a dificuldade de realizar essas reformas no meio de um plano anti-inflacionário que supostamente reduzia a liquidez da economia, o governo definiu diversos meios de pagamentos como moedas válidas para a aquisição de empresas públicas. Pretendia-se, esta forma, transformar o processo de privatização em um grande encontro de contas, onde ativos e passivos do setor público seriam compensados. Nesse sentido foram consideradas moedas de privatização: cruzados novos, débitos vencidos renegociados, debêntures da Siderbrás, Obrigações do Fundo Nacional de Desenvolvimento, Títulos da Dívida Agrária, Certificados de Privatização e os créditos e títulos da dívida externa.[21]
O Programa de Privatização do Collor, como foi comum em seu governo, ficou também aquém das intenções iniciais. Em janeiro de 1991 o presidente do BNDES, Eduardo Modiano anunciou que seriam vendidas 27 empresas representando um valor de 18 bilhões de dólares. Ao final do ano tinham sido vendidas cinco empresas estatais, gerando receita de 0,5% do PIB.[22] Collor privatizou 14 empresas entre outubro de 1991 e setembro de 1992, notadamente dos setores siderúrgico, petroquímico e fertilizantes. Embora o impacto fiscal dessa venda fosse reduzido, seu significado simbólico era muito grande. O fundamental do programa de desestatização do Collor, que caracteriza o rompimento com privatizações anteriores, é a intenção de transferir para o setor privado não apenas atividades que não estiveram no passado sob o controle do Estado, mas aquelas que sempre foram estatais no Brasil, e que eram consideradas pelos governos anteriores como estratégicas. Embora sob o aspecto financeiro, o montante privatizado não tenha sido expressivo, essas alienações marcaram o início de um processo queprosseguiu sem interrupção durante toda a década de 1990.
No entanto, não havia um modelo de regulação dos setores privatizados e nem havia uma preocupação de evitar os problemas advindos da atuação de oligopólios privados, em setores caracterizados por elevada concentração e pouca rivalidade, ou seja, em mercados pouco concorrenciais. Portanto, durante o governo Collor não foi formulado um novo modelo de divisão entre as atividades econômicas que seriam geridas pelo Estado e as que seriam exclusivamente privadas. Não havia, ainda, surgido um modelo de desenvolvimento alternativo – o aparato institucional do desenvolvimentismo estava sendo rapidamente desmontado, mas não estava sendo criado novos arranjos institucionais para substituí-lo.[23]
Embora o governo Collor tenha iniciado um amplo programa de privatizações, somente no governo FHC foram criados os marcos regulatórios para a gestão dos serviços públicos privatizados. Para isto, o governo FHC aprovou a legislação necessária para viabilizar a quebra de monopólios do Estado e a concessão de serviços públicos. Nessa linha foi aprovada a Emenda Constitucional n.8, que estabeleceu as bases jurídicas para as concessões de serviços públicos, assim como outras formas de delegações, como asautorizações e permissões. Da mesma forma, foram criadas as principais agências reguladoras.
O Governo FHC tinha em seus quadros a densidade teórica e a capacidade administrativa de implementar medidas econômicas orientadas para o mercado (marketfriendly), que são consistentes com as propostas política de desenvolvimento liberais, que foram difundidas internacionalmente na década de 1990. No caso, não tratava-se de imposição de fora. Isto pode ser mostrado analisando-se a dinâmica de cada uma das reformas.
Pode-se dividir as políticas públicas brasileiras da década de 1990 em dois conjuntos, que embora complementares, não eram igualmente necessários. Em primeiro lugar um conjunto de reformas macroeconômicas.[24] Em segundo lugar, as políticas de reforma de Estado, essencialmente uma agenda microeconômica, que não era mais uma exigência externa, mas uma estratégia de desenvolvimento, que deveria ser implementada depois do sucesso do programa de Estabilização.[25]
O Brasil não conseguiria alcançar uma negociação internacional dentro do chamado Plano Brady se não realizasse as reformas macroeconômicas exigidas por essa agenda. No caso, os compromissos necessários para o acordo foram realizados durante os governos Collor e Itamar.
O Plano Brady tinha explicitamente como exigência programas de ajuste estrutural por parte dos países devedores. A negociação tinha duas premissas fundamentais: (a) o problema da dívida seria resolvida através de uma negociação caso a caso; (b) a redução das dívidas e liberalização dos recursos estavam subordinados a um programa de reformas sob a supervisão do FMI, principalmente em questões fiscais, e do Banco Mundial, na agenda de reforma do Estado.[26] Mas, a agenda microeconômica que seguiu-se às políticas macroeconômicas, foram guiadas por lógica diferente. Essas eram chamadas de reformas de Segunda Geração – suas recomendações derivam do fato de que as medidas originais do Consenso de Washington não foram suficientes para acelerar as taxas de crescimento econômico. Elas faziam parte de uma agenda de desenvolvimento. Nessa linha elas não eram requisitos para a agenda doméstica, embora certamente estimulados e apoiados pelas mesmas forças políticas que impunham os termos da agenda macroeconômica.[27]
3. O Novo Modelo Institucional
O primeiro governo FHC marca a formulação e a implantação no país de um projeto de mudança institucional que tinha como inspiração os modelos internacionais liberais.[28] Diferente de Collor, este era uma projeto bem estruturado, com amplo apoio de intelectuais, economistas, cientistas políticos e juristas, vinculados e/ou simpáticos ao PSDB e, ainda, com amplo apoio no empresariado, na imprensa e em importantes setores das classes médias.O governo FHC teve a capacidade política de, definitivamente, consolidar o conceito de reforma como uma ideia vinculada ao repúdio do modelo desenvolvimentista. Este modelo que fez com que o Brasil fosse,por meio século, um dos países de mais rápido crescimento econômico no mundo,foi considerado, por essa revisão, como o principal responsável da crise econômica da década de 1980 e pela estagnação da economia brasileira.
De amplamente majoritário até década de 1980, o desenvolvimentismo perdeu rapidamente apoio após o fracasso do Plano Cruzado em 1987, embora os princípios que o norteavam, tal como nacionalismo, defesa da industrialização e da ação do Estado, tivesse força, ainda, para influenciar significativamente a Constituição de 1988. Apesar das medidas radicais de Collor, um novo projeto só começou a ser formulado em 1993, no ocaso do seu governo. Mas somente com FHC que esse projeto adquiriu consistência teórica e amplo apoio popular – quenão podia ser explicado apenas pelos resultados positivos do Plano Real – ou seja, a retórica da reforma do Estado foi vitoriosa no debate público e levou a hegemonia de uma nova convenção, que Fábio Erber chamou de Convenção Neoliberal.[29]
O projeto do Governo era ambicioso: envolvia a reformas na esfera fiscal, previdenciária, administrativa e patrimonial (privatizações). O documento fundamental para a definição de um novo modelo de divisão entre o papel do Estado e do Mercado foi o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, publicado em 1995, que diagnosticou os problemas do Estado brasileiro e propôsnovas bases da intervenção do Estado e da gestão pública.[30]
O ponto de partida do documento é a identificação da crise brasileira como uma crise do Estado que teria sido produzida pela estratégia desenvolvimentista. Segundo essa interpretação:
Em razão do modelo de desenvolvimento que governos anteriores adotaram, o Estado desviou-se de suas funções básicas para ampliar sua presença no setor produtivo, o que acarretou, além da gradual deterioração dos serviços públicos, a que recorre, em particular a parcela menos favorecida da população, o agravamento da crise fiscal e, por consequência, da inflação. Nesse sentido, a reforma do Estado passou a ser instrumento indispensável para consolidar a estabilização e assegurar o crescimento sustentado da economia.[31]
O Plano inicia-se por uma avaliação do papel do Estado nas economias modernas. A interpretação, na linha com as leituras liberais vigentes, imputa a crise econômica internacional a partir da década de 1970 à incapacidade do Estado de processar de forma adequada a sobrecarga dedemandas a ele dirigida.[32] Nesse sentido a crise do Estado se manifestaria na forma seguinte:
(1) como uma crise fiscal, caracterizada pela crescente perda do crédito por parte do Estado e pela poupança pública que se torna negativa; (2) o esgotamento da estratégia estatizante de intervenção do Estado, a qual se reveste de várias formas: o Estado do bem-estar social nos países desenvolvidos, a estratégia de substituição de importações no terceiro mundo, e o estatismo nos países comunistas; e (3) a superação da forma de administrar o Estado, isto é, a superação da administração pública burocrática.[33]
Para o Plano, a crise do Estado no Brasil se manifesta como uma crise fiscal, que se segue ao esgotamento da estratégia de substituição de importações – esses dois fenômenos seriam parte da crise mais ampla do modelo de intervenção econômica e social do Estado.
O documento aponta três respostas à crise do Estado no Brasil. A primeira, nos anos 80, logo após a transição democrática foi ignorá-la. Uma segunda resposta, também inadequada seria a neoliberal, caracterizada pelo Estado mínimo.[34] Finalmente, a resposta consistente com o desafio da crise seria a reforma ou a reconstrução do Estado, de forma a resgatar sua autonomia financeira e sua capacidade de implementar políticas públicas.
O documento faz uma releitura do da história da Administração Pública no Brasil, apresentando três modelos de gestão pública: (i) Administração Pública Patrimonialista; (ii)- Administração Pública Burocrática e (iii) Administração Pública Gerencial. Na primeira o aparelho de Estado funciona como uma extensão do poder do soberano e seus auxiliares recebem os cargos como prebendas. Na segunda, cria-se a ideia de carreira, hierarquia funcional e impessoalidade, formando-se um poder racional-legal. Nesse modelo, rígido e burocrático, o Estado voltaria para si mesmo, perdendo a noção de que sua missão básica seria servir a sociedade. Finalmente, como alternativa ao modelo anterior seria implantada uma reforma do aparelho de Estado que passa a ser orientada predominantemente pelos valores de eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações.
O diagnóstico indica que essas medidas eram consistentes com a agenda de desenvolvimento neoliberal, hegemônicas internacionalmente, embora seus formuladores identificavam-se politicamente com a corrente do novo trabalhismo inglês (ou do partido democrata norte-americano) e não com as visões explicitamente neoliberais, de Thatcher e Reagan.[35] Esse projeto pretendia promover a convergência entre o interesse privado e o público através de uma cultura gerencial de eficiência, que seria o oposto de uma administração burocrática, subordinada a uma estrutura de poder – portanto, mesmo que racional-legal, a forma de administração anterior seria subordinada à lógica política. O projeto defende, portanto, uma nova forma de administrar, cuja eficiência (técnica) é entendida como equivalente a forma gerencial de gestão. Neste ponto, nos afastamos do primarismo de uma política anti-estado, meramente desorganizadora e populista, como a realizada durante a gestão Collor – trata-se, agora, de uma nova estratégia de desenvolvimento, que deveria implantar uma ordem orientada para o mercado.
Ou seja, até a década de 1980, a oposição à agenda desenvolvimentista vinha de uma visão conservadora que rejeitava a agenda de reformas promovida pelas políticas desenvolvimentistas. A partir da década de 1990, as abordagens neoliberais, não mais rejeitam reformas, mas defendem sua própria agenda de reformas que pretendia simultaneamente acabar com as políticas anteriores, mas também criar uma nova ordem que estabelecesse as condições econômicas e políticas para implementar um novo modelo econômico. Por isto, o neoliberalismo nos países em desenvolvimento, ao contrário do seu discurso, tem um viés altamente intervencionista. Sua agenda passa por reformulação do papel do Estado. Por um lado, implica em reforma administrativa com a redução dos funcionários públicos e alienação de empresas estatais, mas por outro lado, a nova agenda tem como objetivo criar novas instituições, tais como as Agências Reguladoras e uma Agência de Defesa da Concorrência,para administrar a nova ordem econômica orientada para o mercado.
Entre os principais temas da agenda liberal estava o aprimoramento da proteção aos direitos de propriedade, da execução dos contratos, da defesa dos direitos de propriedade intelectual, da defesa da concorrência, da execução (enforcement) das decisões judiciais, da melhoria da gestão pública e da melhoria do sistema educacional.
Uma parte fundamental dessas recomendações era a criação de novas agências estatais que deveriam regular serviços privatizados. Nesse cenário, deveriam ser criados: (i) – um sistema de defesa da concorrência, com uma legislação para sua aplicação e com uma forte agência antitruste – para a regulação ex-post; e (ii) – agências reguladoras que promovessem o adequado funcionamento dos mercados dos novos serviços públicos privatizados, particularmente quando havia monopólio natural, para regulação ex-ante. A partir desses princípios, legislações e autoridades antitruste, assim como agências reguladoras, deveriam ser criadas na América Latina e, em geral, nos principais países em desenvolvimento. Essas novas instituições seriam controladas por técnicos, que deveriam ser os guardiões dos princípios do livre mercado e, ainda, aplicadores técnicos (idealmente, apolíticos) dessa nova ordem.
Contudo, aplicação desse modelo para o Brasil não era simples e, no próprio governo e entre os defensores da reforma do Estado havia vários pontos de discórdia. Um dos grandes formuladores do projeto de Reforma de Estado no Brasil foi Bresser-Pereira, que se identificava como os setores mais à esquerda do PSDB, cujo principal objetivo, detalhados em uma série de artigos e textos publicados entre 1995 e 1998, era alterar o modelo burocrático de administração pública implantado no Brasil durante a Era Vargas para um modelo de administração gerencial, fortalecendo os órgãos de administração indireta. Bresser-Pereira explicitamente rejeitava que essa proposta de reforma fosse neoliberal, conceito que ele identificava como adequado ao governo Collor, que era um defensor de um Estado Mínimo, ao contrário de seu projeto que era de um Estado que executava políticas econômicas ativas, mas consistentes com a promoção de um mercado competitivo.
Esta não era a primeira vez que se pretendia criar, no Brasil, gestores públicos que deveriam estar isolados das pressões políticas. Aliás, o diagnóstico era fragrantemente equivocado com relação ao sentido histórico das reformas de Estado anteriores, tanto do papel modernizante da criação do Departamento de Administração do Serviço Público (DASP), no Estado Novo, como do papel da Reforma Administrativa no governo militar, empreendida em 1967, pelo Decreto-Lei nº200. A Reforma do DASP foi a primeira tentativa de se implantar no país um sistema de burocracia weberiana meritocrática e racional. Nessa ocasião pretendeu-se criar um sistema baseado na igualdade de oportunidade de ingresso no serviço público (sistema de mérito), com ênfase nos aspectos éticos e jurídicos das questões pessoais (coibição de privilégios, impessoalidade), planos gerais e uniformes de classificação de cargos e fixação de salários e outras características burocráticas, tais como a rigidez e centralização do controle.[36] No regime militar, a Reforma de 1967, ao introduzir os conceitos de administração direta e indireta e um conceito de administração pública concebida como o resultado de quatro sistemas estruturantes, o de planejamento e orçamento, o de finanças públicas, o de serviços gerais e o de recursos humanos.[37] O decreto-lei N°200 permitiu acomodar as diversas iniciativas modernizantes, dando grande flexibilidade para administração indireta, que compreendiam as autarquias, as empresas mistas e públicas. As fundações não foram incluídas na administração indireta e, para permitir manter suas características, foram objeto de um marco legal próprio, o Decreto-lei nº900.[38] A proposta de Reforma de Estado do MARE tinha a pretensão de contrapor todas as formas de gestão anteriores como indesejáveis e retrógadas, por serem patrimonialistas ou burocráticas, portanto, passíveis de ser eliminadas, que deveriam ser substituída por uma forma nova, gerencial, pretensamente flexível, voltada para produtos e não para meios e processos. Como argumentou em um contundente artigo, a professora Sônia Fleury, a capacidade dessa reforma de extinguir todos os modelos de gestão anteriores era limitada, para ela:
Trata-se do mais puro caso de wishful thinking, contra todas as evidências conhecidas, nas quais se observa que a administração pública brasileira foi-se expandindo por camadas, como em um bolo de festas, somando à administração patrimonial e clientelista – preponderante até os anos 30 – a camada da administração burocrática – ‘daspiana” – acrescentada da camada gerencial – desde os grupos executivos dos anos 60 aos empresários estatais dos anos 70.[39]
Ou seja, ao final, essas ideias, inspiradas na agenda de reformas institucionais demodernizaçãodo Estado, eram simplistas em suas considerações sobre a relação entre política e administração pública. As diversas formas de administração pública que coexistiam no Brasil, apenas indicavam que elas cumpriam diferentes funções, na estrutura do poder político no país. Sônia Fleury faz, ainda, um arguto diagnóstico da natureza da convivência dessas formas de administração e seu papel político:
Enquanto os setores de ponta para a dinâmica da economia industrial requeriam uma gestão pública ágil, ainda, queenfeudada por interesse particulares, os setores sociais, que atendem à cidadania, foram sempre reservados para o atendimento das clientelas políticas, enquanto outras parcelas da administração assumiam um perfil mais burocrático, atendendo a demandas oriundas das camadas médias. Fundamentalmente, não apenas foi possível a convivência de todas as formas de administração, como em nenhuma delas foram superados os três problemas centrais da administração pública brasileira: a apropriação privada dos bens públicos pelas elites políticas e econômicas, a corrupção como forma regular de relação entre elites e a burocracia, a exclusão da maioria da população da condição de cidadania (igualdade no tratamento) na esfera pública.[40]
Em uma avaliação retrospectiva, Fleury estava certa. A Reforma de Estado promovida pelo MARE, certamente modernizou o Estado e abriu espaço para que esse pudesse novamente atuar de forma efetiva, depois de sua desestruturação desde meados da década de 1980 – mas, essas alterações não promoveram uma mudança radical do aparelho de Estado brasileiro. O que Bresser buscava promover não era tão distinto do que outros reformadores do Estado tinham tentado, desde a criação do DASP – formar uma elite do funcionalismo público eficiente, comprometido com o interesse público, relativamente protegida do clientelismo político.
Ao final de uma dura disputa no Congresso, e depois de várias alterações, a PEC (Projeto de Emenda Constitucional) nº173 de 1995 foi aprovada como Emenda Constitucional nº 19 de 4 de junho de 1998. No entanto, a criação das agências reguladoras acabou sendo uma discussão paralela à reforma administrativa, que por suas implicações para os funcionários públicos foi um fator de forte mobilização de interesses e disputa no Congresso Nacional. No documento original do MARE falava-se em Agências Autônomas, mas não havia discussão sobre o papel de Agências Reguladoras.[41] Bresser-Pereira, que foi o mentor intelectual do projeto de reforma de Estado do FHC apresentava uma distinção entre Agências Reguladoras e Agências Executiva. Ambas são agências autônomas, mas a primeira exerceria funções de Estado, não podendo ficar subordinadas à agenda de um governo determinado, e as segundas funções de Governo.[42]
As Agências Reguladoras brasileiras tiveram suas linhas de atuação definidas pela primeira vez na “Recomendação de 31 de Maio de 1996” do Conselho de Reforma do Estado que trata da Construção do Marco Legal dos Entes Reguladores.[43] As agências reguladoras que foram criadas nos anos seguintes seguiram, em linhas gerais, as recomendações do Conselho de Reforma do Estado. Foram nessa linha estabelecidos os seguintes princípios para o funcionamento das agências:
a) autonomia e independência decisória;
b) ampla publicidade das normas pertinentes, de seus procedimentos e decisões e de seus relatórios de atividade, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas em lei;
c) celeridade processual e simplificação das relações mantidas entre o ente regulador e os consumidores, usuários e investidores;
d) participação de usuários, consumidores e investidores no processo de elaboração de normas regulamentares, em audiências públicas, na forma que vier a ser regulada em lei;
e) limitação da intervenção do Estado, na prestação de serviços públicos, aos níveis indispensáveis à sua execução.
O Conselho de Reforma do Estado recomendou como objetivo das agências:
a) promover e garantir a competitividade do respectivo mercado;
b) garantir os direitos dos consumidores e usuários dos serviços públicos;
c) estimular o investimento privado, nacional e estrangeiro, nas empresas prestadoras de serviços públicos e atividades correlatas;
d) buscar a qualidade e segurança dos serviços públicos, aos menores custos possíveis para os consumidores e usuários;
e) garantir a adequada remuneração dos investimentos realizados nas empresas prestadoras de serviço e usuários;
f) dirimir conflitos entre consumidores e usuários, de um lado,e empresas prestadoras de serviços públicos;
g) prevenir o abuso do poder econômico por agentes prestadores de serviços públicos.
Além dessas, foram recomendados no documento procedimentos para garantir a autonomia financeira e gerencial e a autonomia decisória do ente regulador. Esta autonomia decisória seria garantida através de:
1) nomeação dos seus dirigentes pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal por uma prazo fixo não superior a quatro anos, facultada uma única recomendação;
2) processo decisório colegiado;
3) dedicação exclusiva dos ocupantes dos cargos de presidente e membros do colegiado, não sendo admitida qualquer acumulação, salvo as constitucionalmente permitidas;
4) recrutamento dos dirigentes da autarquia mediante critérios que atendam exclusivamente ao mérito e à competência profissional, vedada a representação corporativa;
5) perda de mandato do presidente ou de membros do colegiado somente em virtude da decisão do Senado Federal, por provocação do Presidente da República;
6) perda automática de mandato de membro do colegiado que faltar a determinado número de reuniões ordinárias consecutivas, ou a percentual de reuniões intercaladas, ressalvados os afastamentos temporários autorizados pelo colegiado
Esses princípios, no entanto, foram estabelecidos depois que o processo de privatização e flexibilização dos serviços públicos em três setores fundamentais da economia: Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo. Portanto, o processo de criação das três agências mais importantes desse modelo, a ANEEL, a ANATEL e a ANP já surgiram em meio a controvérsias.
4. A criação das agências reguladoras.
As primeiras agências reguladoras foram criadas nos setores de infraestrutura, na segunda metade da década de 1990, depois (e não antes) das privatizações dos setores que deveriam regular. Aexceção foi no setor de telecomunicações, o único em que o marco regulatório e a agência reguladora foram parte de um projeto estruturado, que antecedeu a privatização.[44] Quem elaborou o projeto da primeira agência reguladora não foi o MARE, mas a Casa Civil.[45] Desde o início de 1995, A Lei nº8.987 de 13/2/1995, que dispunha sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos, previa funções reguladoras ao poder concedente. Mas, até então o que se discutia era um modelo de autarquia convencional- sem autonomia decisória nem os demais requisitos formais que viria a caracterizar as agências reguladoras brasileiras.[46] Este projeto da primeira Agência Reguladora foi formulado, com forte influência dos antigos técnicos do DNAEE – Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, e ao não incluirautonomia no modelo das agências reguladoras norte-americanas, era considerado inadequado pelas forças políticas que defendiam o modelo internacional de reforma de Estado.[47] Ao final da disputa, um substitutivo do Congresso com o apoio do Presidente da República levou a criação da ANEEL, pela Lei n.9427 de 27 de dezembro de 1996, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, como uma nova figura jurídica no direito brasileiro – Autarquia, sob regime Especial.
A criação das primeiras agências reguladoras foi produto do debate que envolveu a Casa Civil, O MARE, o Conselho de Reforma do Estado, o Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão e o Ministério de Minas e Energia.No entanto, a ANEEL, assim como a ANP, a segunda agência do setor de energia, criada pela Lei 9.478, conhecida como Lei do Petróleo, de 9/8/1997, não tinha, ainda, ampla autonomia, notadamente sobre questões normativas. A primeira agência reguladora, integralmente, no modelo norte-americano, que além do poder de regular, tinhaampla autonomia de exercício de poder normativo, foi a ANATEL, criada pela Lei Geral de Comunicações (Lei nº 9.472) de 16 de julho de 1997.[48]
Esse modelo, (a autarquia especial) cujo desenho institucional não tinha precedente jurídico no Brasil, acarretou intensa controvérsia quanto sua pertinência, autonomia e legalidade da delegação do exercício do poder normativo,que envolvia diferentes visões, tanto sobre questões de natureza jurídica como econômica.
O Brasil tinha uma longa tradição do uso de autarquias na administração pública, que remontava à década de 1930. Esse instituto, originado no direito italiano, é um instrumento de administração indireta com algumas características peculiares: “criado por lei, com personalidade de direito público, descentralizada funcionalmente do Estado para desempenhar atribuições estatais próprias e específicas, com autonomia patrimonial, administrativa e financeira.”[49]
O objetivo da criação das autarquias fora descentralizar a ação do Estado e dar maior flexibilidade e agilidade em áreas específicas. Mas, não havia dúvida que era um órgão de Estado, instituída por Lei, com personalidade de direito público, embora com autonomia para atender aos seus fins, que tinham necessariamente que ser próprios do Estado. Esta era uma instituição muito diferente dos modelos de agência administrativa norte-americana, que tambémconsolidou-se na década de 1930. Antes do Governo Rooselvelt só havia duas agências federais com amplos poderes de regulação(a ICC –Interstate Commerce Commission e a FTC – Federal Trade Commision) – pelo final da década várias outras agências importantes foram criadas.[50] Esses órgãos foram produtos da longa disputa entre o chamado movimento Progressista, contra a interpretação conservadora da constituição norte-americana que era majoritária até o século XIX. A defesa era de uma leitura da Constituição (Constituição Viva) adequada à realidade econômica e social do país e que, portanto, criasse condições para uma maior intervenção do Estado. Essa nova interpretação permitiu que Agências Reguladoras Federais agissem, com razoável autonomia dos poderes políticos locais e atuassem em questões que muitas vezes eram consideradas tradicionalmente de competência estadual ou municipal – mantendo-se insulada, dos interesses econômicos ou sociais provincianos e de suas implicações eleitorais.[51] Portanto, as Agências Reguladoras, criadas na década de 1930, eram instrumentos para aumento da intervenção do Estado, em particular do Governo Federal. As autarquias, criadas no Brasil na década de 1930, eram instrumentos da descentralização do Estado, tinham alguma autonomiae flexibilidade, mas eram definitivamente parte do aparato governamental do Estado Novo. Nos EUA pretendia-se separar-se o que eles chamavam de politics (atividade política) da atividade de regulação (regulatorypower) – ou seja, o Congresso teria amplos poderes regulatórios sobre a economia norte-americana e esses poderes poderiam ser transferidos para Agências federais, que teriam grande margem de autonomia, ficando isenta de subordinação direta do poder do executivo e/ou dos tribunais regionais.[52]
As agências reguladoras que foram criadas no Brasil ao final da década de 1990, no entanto, eram diferentes tanto do modelo de autarquia, conhecido no direito brasileiro, tanto das agências reguladoras norte-americanas que tinham uma história institucional e um sistema legal muito diferente no nosso. No caso, o que se pretendia com as agências era reduzir a intervenção do Estado (e não aumenta-la, como foi imaginado nos EUA na década de 1930), permitindo que as empresas privatizadas tivessem marco legal claramente definido, sem estarem sujeitas as incertezas da política partidária.
Esse modelo de agências era defendido pelos economistas e outros setores influenciados pela agenda internacional de Reforma do Estado e fazia parte da difusão de agências reguladoras que ocorreu a partir da segunda metade da década de 1980.[53] No entanto,muitos juristas consideram esse modelo incompatível com a legislação brasileira, e vários opuseram resistência ao formato de Autarquia Especial e, particularmente, ao poder normativo das agências, principalmente, no caso da ANATEL, que foi a que mais se enquadrava nesse modelo.
Nessa linha, a professora Di Pietro argumentava que não há no Brasil possibilidade legal, tal como no caso dos EUA, do Congresso outorgar, sem expressa previsão na Constituição, poder regulador a um determinado órgão ou entidade, por delegação legislativa. A professora enfatiza que no direito norte-americano não existe o conceito de serviço público e, em consequências, não se fala em concessão de serviço público como contrato em que o poder público delega a execução de uma atividade de sua competência para a concessionária. Nos EUA, o conceito relevante é o de serviço de utilidade pública, sujeito ao poder de polícia do Estado, sendo que as empresas que prestam tais atividades são empresas privadas que atuam,como qualquer outra firma, no domínio econômico, de acordo com o princípio da livre iniciativa.[54]
Ao final, as Agências Reguladoras no Brasil não se firmaram como imaginado pelos economistas liberais, como um modelo de racionalidade técnica estatal e não governamental – mas como autarquias, com independência funcional, envolvidas não apenas na regulação tradicional, mas também nas discussões de planejamento e desenvolvimento econômico. Isso é detalhadamente descrito por Botelho, que mostra como políticas nacionalistas (que são, de fato, políticas industriais e tecnológicas) surgem, já na década de 1990, no bojo dessas instituições, que mantiveram os antigos quadros técnicos oriundos do desenvolvimentismo e, ainda, formaram novos quadros técnicos, a partir das demandas regionais por políticas públicas e das pressões decorrentes da formação do novo pacto federativo em uma conjuntura de crise.[55] Além disso, segundo Botelho, as agências com um corpo técnico de melhor formação são justamente aquelas que avançaram mais rapidamente na definição e implementação de programas de apoio setorial de maior escopo e intensidade.[56]
Entre 1999 e 2005, além das três agências reguladoras que atuavam na área de infraestrutura, foram criadas mais sete agências, com as mesmas características institucionais, ou seja, como autarquia especial, com mandatos fixos para seus dirigentes, não coincidentes com o chefe do executivo, indicados pelo executivo e aprovados pelo congresso, autonomia financeira e decisória.Embora essas agências tenham, sob o ponto de vista formal, mesmo nível de autonomia, de fato sua capacidade de agir independentemente da influência das estruturas políticas irá variar entre as agências e, ao longo do tempo. Além disso, por reunir corpo técnico competente e bem pago, estas agências vão progressivamente tornando-se um dos principais polos do núcleo de formulação de políticas públicas do Estado. Ou seja, invés de se transformar em agências tecnicamente neutras, foram progressivamente transformando-se em órgãos do Estado, que atuavam para alcançar os objetivos de políticas públicas desejados pela sociedade: ou seja, uma moderna burocracia weberiana.
Essas dez agências podem ser divididas em quatro grupos distintos: (i) as grandes agências de infraestrutura, que adquiriram maior prestígio e destaque, ao longo desse período (ANEEL, ANATEL e ANP; (ii) – as agências de infraestrutura de menor porte, ou seja, as que tratam de transporte e portos (ANTAQ, ANTT, ANAC) e do uso dos recursos hídricos (ANA); (iii) – as que tratam de serviços, com forte implicações na esfera social, ou seja, as que regulam o setor de saúde (ANVISA, ANS) e, finalmente, (iv) a ANCINE, que é uma agência cuja peculiaridade a coloca em um grupo à parte – tem uma função hibrida de fomento e regulação, e além disso, mais recentemente, com a Lei 12.485 de 12 de setembro de 2011, tem fortes vínculos que questões que transcende o cinema e envolve as comunicações.
Cada uma dessas agências foi criada a partir de diferentes circunstâncias e levaram a resultados distintos. Em alguns casos, como no setor elétrico, os serviços públicos foram, no passado, durante longos períodos fornecido por empresas privadas,com péssimos resultados. Apesar disso, as empresas estatais ou de economia mista que prestavam serviço de infraestrutura foram profundamente afetadas pelas políticas públicas nas condições históricas de restrições de Balança de Pagamento e crise da dívida externa. As privatizações e, principalmente, o modelo de regulação foram, em vários casos, influenciados pelo resultado de estudos de Consultoras Internacionais, como por exemplo, a Coopers&Lybrand, para a área elétrica, a Mckinsey&Company, para a área de telecomunicações, ou por modelos propostos por órgãos internacionais.[57]
Além das agências reguladoras que surgiram com as privatizações de serviços de infraestrutura, foram criadas agências para serviços vinculados à área da saúde, cujas funções são de políticas sociais. Essas entidades são mais próximas de uma agência executiva do que de uma agência reguladora. A assistência à saúde não se configura como de domínio exclusivo do Estado – não há necessidade de autorização, permissão ou concessão do poder público.[58] As agências criadas pelas Leis 9782 de 26/1/1999 (Anvisa) e 9961 de 28/1/2000 (ANS), vinculadas ao Ministério da Saúde, têm essencialmente funções de fiscalização, regulação e controle de atividades empresariais privadas, mas que têm interesse social. A ANVISA não está restrita a nenhum setor econômico, mas tem mandato sobre quaisquer atividades que possa afetar a saúde da população. Sua principal característica é de um órgão de fiscalização – nesse sentido exerce função típica de uma autarquia tradicional e não uma agência reguladora. A ANS, ao atuar na regulação de seguros de saúde privados e na assistência suplementar à saúde, assumiu funções que eram anteriormente exercidas pela SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, que é vinculada ao Ministério da Fazenda. Suas funções são tipicamente econômicas e/ou jurídicas, como estabelecer instrumentos contratuais das operadoras ou autorizar ajustes e revisões dos preços dos planos de assistência à saúde. Seu mandato se justifica por razões de política social.
Finalmente, a criação da ANCINE fez parte de um processo de reconstrução do setor de cultura que foi desarticulado durante o governo Collor. Esse órgão era originalmente vinculado ao MDIC (Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio), passou em 2003 a ser vinculado ao Ministério da Cultura. Sua função é de agência executiva, com mandato para a promoção do desenvolvimento de uma atividade cultural. Durante o governo Lula houve uma tentativa de transformar a ANCINE em uma agência para o regular o mercado audiovisual, em seu conjunto, que envolvia inclusive o mercado de televisão, transformando-a na ANCINAV.[59] Esta Lei se justificava pelo fato da ANATEL não ter mandato sobre a produção de conteúdos para cinema, televisão, vídeos etc. A resistência a essa nova agência foi muito grande, em especial das grandes redes de televisão que acusavam que a criação desse órgão afetaria a liberdade de expressão. A iniciativa acabou por ser abandonada, embora com a Lei 12.485 de 12/9/2011, conhecida como a Lei do Audiovisual, a ANCINE ganhou algumas funções que foram inicialmente pensadas para a ANCINAV.
Tabela I
Fonte: Pacheco 2006.
5. Regulação e Reforma do Estado no governo Lula
A Reforma de Estado, realizada durante os dois mandatos de FHC, estava concluída quando o PT ganhou as eleições de 2002. Uma vez que houve forte oposição a essa reforma pelos congressistas do novo partido no poder, levantou-se a possibilidade de reformulações nessa política. No final de 2002, iniciou-se um processo institucionalizado de transição, através de um arranjo político entre as equipes do governo FHC e do presidente eleito, Lula. Nesse período apareceram críticas na imprensa conta a excessiva concentração de poder dos órgãos reguladores e, ainda, ausência de transparência nas relações de reguladores e regulados.[60]
Esse debate levou a ideia que o novo governo iria fazer uma revisão da legislação do setor. Foi inclusive anunciado na imprensa a existência de projetos do PT, elaborado pela deputada Tema de Souza, e do PSDB, propondo correção de alegadas distorções do modelo.
A discussão do modelo ficou, no entanto, para uma comissão montada no âmbito da Casa Civil, em março de 2003, tendo como coordenador, o sub-chefe de assuntos geral, Luiz Alberto dos Santos Rodrigues. O resultado foi um trabalho, divulgado em setembro de 2003, intitulado “Análise e Avaliação do Papel das Agências Reguladoras no Atual arranjo Institucional brasileiro”. Este relatório tem, historicamente, a mesma importância do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado de 1996. Ao contrário do que parecia pelas críticas feitas ao modelo institucional montando no governo anterior, o documento, em linhas gerais, confirmava o papel das agências reguladoras.
Em linhas gerais, o relatório confirmava a necessidade de mandatos para os dirigentes das Agências reguladoras, não coincidentes com o do presidente da república, o papel dos órgãos colegiados na definição de políticas, no papel das consultas públicas e em outros elementos que justificavam o papel das agências reguladoras. As principais conclusões do documento foram as seguintes:
1) o investimento total na economia brasileira deverá crescer para que se possa assegurar o crescimento econômico per capita sustentável, aumentando sua parte no Produto Interno Bruto (PIB) dos atuais 19-20% para 22-25%;
2) o governo é responsável por criar um ambiente que favoreça os investimentospúblicos e privados em infra-estrutura, já que há ampla evidência empírica da importância crucial, no contexto de uma agenda de desenvolvimento, de uma política de êxito para a infra-estrutura;
3) a presença das agências reguladoras é indispensável para o sucesso dos investimentos privados, que são centrais para suprir o déficit de investimento em infra-estrutura existente no Brasil. Isto se dá porque importante parte deste investimento terá que ser arcada pelo setor privado, e investimentos em infraestrutura envolvem significativos custos irrecuperáveis (sunkcosts), amortizados por um longo prazo de tempo.
4) segundo o ordenamento jurídico do país, é eminentemente federal aresponsabilidade de assegurar que, em diversos setores chaves, os serviços públicossejam ofertados na maior quantidade, melhor qualidade e menor preço aosconsumidores. Isso aponta para a necessidade da ANATEL, ANEEL, ANP, ANTT,ANTAQ e ANA (esta, na medida de seu papel de regulador do uso de recursoshídricos e saneamento), serem preservadas e fortalecidas;
5) dentre as conseqüências de agências reguladoras fortalecidas nos setores de infraestrutura estão sua contribuição para a redução do custo do capital nestes setores, com importantes reflexos nas tarifas finais e na própria disponibilidade e acesso aosserviços;
6) transcendendo a necessidade das agências regulatórias, a regulação econômica –não necessariamente por meio de agências reguladoras – é indispensável onde podemexistir falhas de mercado (e.g. assimetrias de informação e externalidades negativassignificativas). A necessidade de regulação se aplica mesmo a setores nãorelacionados à infra-estrutura, como a indústria farmacêutica;
7) o Brasil deve se alinhar à grande maioria dos países, onde as agências reguladorasnão são eminentemente responsáveis pela formulação de políticas setoriais. Estaspolíticas, em especial no que diz respeito a planejamento e metas de universalização eacesso, devem ser formuladas pelos Ministérios, com uma fronteira bem delimitada, afim de que política setorial não seja tomada por regulação econômica e vice-versa.
8) por outro lado, a regulação econômica deve ser constantemente aperfeiçoada,tendo como meta a promoção da concorrência como mecanismo de organização daatividade econômica.
9) o desenvolvimento de instrumentos de controle social das agências é um avançoimprescindível para o bom funcionamento do modelo. De pronto, faz-se necessário aaperfeiçoar mecanismos de consulta pública, que devem ser obrigatórios para todas aagências, criando uma espécie de “semi-contencioso administrativo
10) contratos de gestão ou desempenho podem somar-se aos instrumentos de controle social, principalmente para acompanhar a implementação de “metas de transparência”, contribuindo ainda para a melhoria da eficiência regulatória
11) por fim, deve restar claro que, não obstante a regulação econômica seja necessária sempre que existam falhas de mercado, de modo geral esta não é uma razão suficiente para a criação de uma agência, cuja necessidade tipicamente se dá apenas onde, sejam necessários significativos investimentos irreversíveis.
Embora o debate na imprensa tenha dado ênfase excessiva a pequenas alterações propostas pelo novo governo, que propunha fazer pequenas alterações em algumas das leis das agências reguladoras e, ainda, polêmicas em torno dos contratos de gestão entre as agências e os respectivos ministérios, como pode ser percebido das recomendações acima, o modelo permaneceu inalterado.
Uma das proposições do governo era aumentar a capacidade de planejamento e atuação dos Ministérios e, portanto, deixar às agências a função de reguladora de políticas e não de formuladoras de políticas. Contudo, a notória falta de quadros técnicos no governo federal dificultava tal alternativa. De fato, o novo governo iniciou o reaparelhamento do Estado, que tinha sido muito reduzido no governo anterior, onde houve poucos concursos públicos.[61] Para isso, usou as novas funções criadas na Reforma de Estado do FHC – entre essas, a nova carreira de gestor público, que com salários atrativos, permitiria voltar a criar um quadro técnico de funcionários de carreira de alto nível para funções gerenciais e assessoria. Mas, esse não era um processo rápido e, ainda, muitos dos novos quadros, que foram contratados depois dos concursos, eram muito qualificados, mas jovens e inexperientes. Nesse sentido, as agências que já vinham sendo equipadas com pessoal qualificado desde o governo anterior acabaram por ter um papel muito importante na formação das novas políticas.
Ou seja, analisando-se a reforma do Estado proposta pelo governo FHC, a partir da perspectiva do primeiro governo Lula, verifica-se uma notável continuidade. Além disso, verifica-se que os objetivos dessa reforma que foram alcançados não eram distintos do que se perseguia no Estado brasileiro desde a reforma do DASP na década de 1930 – ou seja, a formação de um corpo de funcionários públicos independente com capacidade de formular política de Estado e de atuar substituindo o setor privado onde esse não atuava e regulando esse setor onde este tinha condições de atuar de forma independente.
As agências reguladoras acabaram por mostrar-se instrumentos eficazes para desenvolver um conjunto de políticas de Estado que tinham sido enfraquecidas depois de crise da década de 1980. Algumas dessas agências, como no caso notório da ANCINE, tinham caráter mais executivo do que de regulação. Eram instrumentos híbridos, tinham algumas novas atribuições que no passado o Estado brasileiro deu pouco importância, como a Defesa da Concorrência, que era uma das funções primordiais de algumas agências, tais como a ANATEL, que operava como órgão de instrução para o CADE, nos Atos de Concentração de empresas de sua área. Além disso, elas contribuíram para manter a capacidade de atuação setorial do Estado em um momento em que esse tinha perdido grande parte de sua capacidade de planejamento, em vista do processo de enfraquecimento que ocorreu em decorrência dos ajustes setoriais da década de 1990.
6. Conclusão
Ao se analisar a experiência brasileira de Reforma do Estado ao longo de pouco mais de duas décadas pode-se observar que as transformações na administração pública brasileira tiveram como resultado a criação de um novo conjunto de órgãos do Estado administrados por uma burocracia com características funcionais de racionalidade weberiana. As próprias agências reguladoras, cujos diretores têm indicação política, são em muitos casos funcionários de carreira das próprias agências ou funcionários públicos de carreira, tais como os gestores públicos. É verdade que nas agências menores há eventualmente alegações de indicações políticas que não se coadunam com o modelo acima, sendo que nesses casos a presença da imprensa e do ministério público reduz a capacidade de atuação desses diretores politicamente. É também certo que as indicações para as direções da agência são influenciadas pela agenda do governo, mas essa certamente não é um ponto contraditório com a existência de uma burocracia racional, já que essa é a própria essência do controle democrático da política pública.
Por outro lado, a ideia de agências reguladoras independentes, cujos diretores embutiriam uma lógica tecnocrática, sem serem influenciados pela agenda política ou sem preocupações com questões de desenvolvimento econômico, mas apenas dapromoção do bem-estar do consumidor no curto prazo, não se consolidou. No caso, brasileiro reforçou-se o modelo de um Estado ativo, mas cujas funções vão sendo alteradas ao longo das décadas em função de mudanças políticas, econômicas e culturais no Brasil e no exterior. A experiência de Reforma do Estado no Brasil é, portanto, uma forte evidência de que instituições e modelos institucionais são fortemente dependentes da trajetória. A relação entre o Estado e o Mercado no Brasil, portanto, como no conto de Lampedusa, mudou para continuar sendo a mesma.
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- Ver, Rickets, 2006. ↵
- Este é o conceito de Regulação empregado no extenso HandbookofInstitutionalEconomics, ( ver Menard&Shiirley, org,, 2008), que contém artigos de autores clássicos de economia institucional, tais como Coase, Williamson, North e outros. ↵
- Para uma discussão sobre o conceito de desenvolvimentismo ver o interessante artigo de Fonseca, 2013. Mário Henrique Simonsen afirmava que a discussão sobre desestatização era inócua se fosse para deixar “espaços vazios”. Ou seja, para ele a origem das empresas estatais seria o preenchimento de espaços vazios e não motivos ideológicos. Ver, Pinheiro, 1999, p.6. Ver, também, Pessanha,1981,.p.181. ↵
- O caráter híbrido do novo modelo de desenvolvimento vem gerando um grande número de definições desse período, por exemplo, Erber (2010) define esse modelo como Convenção Institucionalista Restrita, Filgueiras& Gonçalves, 2007 como modelo Liberal Periférico. ↵
- Para uma revisão da dinâmica desse modelo no período que ficou conhecido como “Milagre Econômico” ver Prado &Earp, 2003. ↵
- Ver Williamson, 1990. ↵
- Para uma discussão sobre o crescimento da economia chilena pós-1985, ver Agosin, 1999. ↵
- Ver sobre o Tema, Leopoldi, 2000,p.302 e Diniz, 1997. ↵
- A edição é de 8 de outubro de 1972, a matéria chama-se ‘Estado e Economia’. A publicação abre com considerações do editor e um artigo do Ministro de Planejamento, Reis Velloso. Posteriormente,foram apresentadas questões respondidas pelos debatedores: Teófilo de Azeredo Santos, então Presidente do Sindicatos dos Bancos do Estado da Guanabara; Paulo Velinho, Presidente da Federal das Industrias do Rio Grande do Sul; o jurista José Luiz Bulhões Pedreira; Peter Landsberg, Presidente da Shell do Brasil; o economista Rômulo de Almeida; José Midlin, Presidente do Sindicato de Auto-Peças do Estado de São Paulo; Rubens Costa, Presidente do BNH e do então professor da USP e sociólogo Francisco de Oliveira. ↵
- Ver Velloso, 1972. ↵
- Segundo Velloso, a única exceção a esse princípio no governo militar foi o caso da Embraer, todas as outras atividades foram deixadas à iniciativa privada. Uma exceção parcial foram foi o setor siderúrgico, cujo mercado era formado por empresas públicas de economia mista, em função de peculiaridades desse setor, ou seja, elevada escala e baixa lucratividade que as fazia similar às empresas de infraestrutura física. ↵
- Velloso (1972) ↵
- Há uma vasta bibliografia sobre o tema. Ver, por exemplo, Coutinho e Beluzzo, 1982, Werneck, 1986 e Gobetti, 2010. ↵
- Os dados são da Cruz,1984, tabela 10, p.135. ↵
- Ver Gobetti, 2010, p.32. ↵
- Gobetti, 2010, p.33. ↵
- Ver Sallum Jr, 2003, p.36. ↵
- Esta interpretação foi sugerida pelo interessante artigo de Schneider, 1992. ↵
- ver Schneider, 1992, p.17 ↵
- Ver Pinheiro & Oliveira Filho, 1992, p.343. ↵
- Ver Pinheiro e Oliveira Filho, 1992, p.341 ↵
- Ver Schneider, 1992, p.16, e Baer, 1995, p.202. ↵
- Observe-se, no entanto, que no governo Collor foi votada a Lei 8.158 de 8 de janeiro de 1991, que criou a Secretaria Nacional de Direito Econômico e reformulou o CADE. Mas este órgão só tornou-se efetivo, com a Lei 8884/1994, que foi aprovada no governo Itamar. ↵
- Franco, 1998, em um trabalho clássico do período, apresentou sua visão da relação entre Ajuste Estrutural, Inserção Externa e Desenvolvimento. Observe-se que, para ele, as reformas macroeconômicas criavam as condições necessárias para a retomada do desenvolvimento. ↵
- A estratégia de Reforma de Estado de FHC está apresentada de maneira sistemática em Bresser-Pereira, 1997. ↵
- Ver o livro organizado por Sachs, 1988, que analisa a visão dos credores e faz uma análise da crise da dívida externa em uma perspectiva histórica. ↵
- Bresser Pereira, em uma série de artigos, criticou o que chamou de Consenso de Washington II,que postulava que o crescimento econômico teria de ser baseado no financiamento externo. Ver, Bresser Pereira, 2001, e 2003. O presente artigo, não trata dessa discussão. A chamada agenda de reforma de segunda geração trata, majoritariamente, de reformas microeconômicas e ações para mudanças institucionais. Sobre essas reformas há dois textos seminais de Burki& Perry, 1997 e 1998. Ver, também, Souza e Carvalho, 1999 – um interessante artigo que também aponta os diferentes estágios das reformas econômicas na década de 1990 ↵
- Observe que FHC, em artigo acadêmico de 1998, procura identificar essas reformas como consistentes com as realizadas pelos Novo Trabalhismo(New Labour) inglês, ou seja, a revisão de Tony Blair das políticas Labours pós-thatcher e não com as reformas neo-liberais. ↵
- Ver Erber, 2008. ↵
- Ver Brasil – Câmara de Reforma do Estado, 1995. ↵
- Brasil – Câmara de Reforma do Estado, 1995, p.6 ↵
- Idem, p.7 ↵
- Idem, pp.10/11. ↵
- Embora o documento não explicite, as duas respostas anteriores são respectivamente identificadas como a empreendida no Governo Sarney e no Governo Collor. A última é, claro, seria implementada pelo governo em vigor – o de FHC. ↵
- Ver Cardoso, 1998. Chamo de neoliberal as novas políticas de desenvolvimento inspiradas pela nova ortodoxia que se estruturava para substituir a ordem econômica keynesiana, que estava sendo desmontada na economia internacional desde a década de 1980. Neoliberalismo não é um nome usado por seus defensores e não é um bom nome para o fenômeno histórico que descreve. Por ser usado de forma ambígua, neoliberalismo pode ser adequadamente descrito como um “essentially contested concept”, como chamou, W.B. Gallie (1955), a classe de conceitos que entre outras características envolve disputas infinitas sobre seu emprego por seus usuários. No entanto, apesar da controvérsia em torno do uso do conceito, esse revela um fenômeno real e relevante de ser descrito. Uma vez devidamente qualificado, o conceito ajuda a compreender o debate, a partir da década de 1970, sobre políticas públicas, tanto no mundo acadêmico, como na esfera política. Ver, Prado, 2013, pp.10-11. ↵
- Ver Wahrlich 1975, p.29 ↵
- Ver Castor e José, 1998, p.102/103. ↵
- Idem, p.103. ↵
- Fleury,1997, p.302. ↵
- Fleury, 1997, p.303. ↵
- Dessa forma, segundo oPlano Diretor do Projeto de Reformas do Aparelho de Estado“O Projeto das Agências Autônomas desenvolver-se-á em duas dimensões. Em primeiro lugar, serão elaborados os instrumentos legais necessários à viabilização das transformações pretendidas, e um levantamento visando superar os obstáculos na legislação, normas e regulações existentes. Em paralelo, serão aplicadas as novas abordagens em algumas autarquias selecionadas, que se transformarão em laboratórios de experimentação.” Ver Brasil – Câmara de Reforma do Estado, 1995, p.59. ↵
- Bresser-Pereira, 2002, pp.225/226 ↵
- Esse documento está disponível em Brasil: Câmara de Reforma do Estado, 1997. ↵
- Observe-se que dois outros órgãos do Estado que são tecnicamente agências reguladoras foram criados em um período anterior: O CADE, que como autoridade de defesa da concorrência tem a função de regulação ex-poste, ainda, o Banco Central e a CVM. Essas entidades, no entanto, têm questões e características peculiares que estão fora do objeto deste artigo. ↵
- Ver, Pacheco 2006, p.528. ↵
- Segundo Pedro Cesar Lima de Farias, que participou à época do processo, o primeiro projeto de Lei encaminhado para o Congresso da criação da ANEEL foi elaborado pelo Ministro da Casa Civil, ao fim de 1995, no modelo de autarquia convencional, sendo depois alterado pelo debate no Congresso e no governo. Ver Farias., 2002. Ver, também, Farias& Ribeiro, 2002. ↵
- Os relatos disponíveis indicam que houve forte disputa entre essessetores e os defensores do novo modelo, expresso pela Coopers&Leybrands, contratada pelo governo federal. De início o executivo enviou a mensagem na forma tradicional, mas negociou no Congresso um substitutivo que atendesse o novo formato. Ver, para uma descrição dessa disputa, Mota Prado (2008), p.464. ↵
- Ver Rocha, 2003. ↵
- Figueiredo, 1997, p.186. ↵
- Brinkley, 1995, p.62, 63. ↵
- O papel do movimento progressista e do New Deal para o modelo regulatório norte-americano tem uma vasta bibliografia. Vou, no entanto, dar como referência apenas dois textos que são concisos e apresentam com maestria os problemas envolvidos. Ver Claeys, 2007 e Forbath, 2007. ↵
- Ver, Claeys, 2007. ↵
- Um estudo sobre 36 países da América Latina e da Europa mostrou que, entre a segunda metade da década de 1980 e o início do século XXI,foram criadas 174 agências, sendo que dessas 107 surgiram na década de 1990.Ver Gilardi, Jordana & Levi-Faur, 2006. ↵
- Ver Di Pietro, 2004, pp.42-47. ↵
- Botelho, 2002. ↵
- Botelho, 2002. p.12. ↵
- Observe-se que em muitos casos, escritórios de direito brasileiros fizeram excelente trabalho, ajustando propostas nem sempre exequíveis de consultoras internacionais à realidade brasileira. Um exemplo, foi o excelente trabalho feito pela Sundfeld Advogados na elaboração da Lei Geral de Telecomunicações. Para uma discussão mais detalhada das privatizações e do surgimento de agência reguladoras de infra-estrutura ver Ferreira, 2000; Tomasquim, 2000.; Nunes, Ribeiro & Peixoto, 2007, Herrera, 2001, Castro 2000, Cavalcanti, 2002. ↵
- Ver Nogueira, 2002. ↵
- Ver a minuta da Lei da ANCINAV, 2004. ↵
- a Fonte para o debate na imprensa no período é o excelente Relatório do Observatório Universitário, sobre o Governo Lula e as Agências Reguladoras quefez um detalhado mapeamento desses debates. Ver Nunes et alii, 2005. ↵
- Em 1991, o Brasil tinha 661.996 servidores públicos civis ativos. Dez anos depois, em 2001, esse número tinha sido reduzido para 531.296. Em 2012, ou seja, onze anos depois, o número de funcionários públicos ativos voltou a crescer, sendo apenas um pouco menor do total de1991, ou seja, 648.520. Dados do Brasil, Ministério do Planejamento, Secretaria de Administração Pública, Boletim Estatístico de Pessoal, Maio de 2013. ↵